domingo, 20 de outubro de 2013

A pedagogia da escravidão nos Sermões do Padre Antonio Vieira

por Amarilio Ferreira Jr. e Marisa Bittar

na íntegra em pdf clicar aqui


  


...Diante da brutalidade desse regime social, o padre Antonio Viera não permaneceu insensível à dimensão do infortúnio, embora, contraditoriamente, buscasse justificá-lo.4

Eis, por exemplo, a alegoria que construiu para explicar o papel que o negro deveria desempenhar no âmbito do engenho: 


[...] não se pudéra, nem melhor nem mais altamente, descrever que coisa é ser escravo em um engenho do Brasil. Não ha trabalho, nem genero de vida no mundo mais parecido á Cruz e Paixão de Christo,que o vosso em um d’estes engenhos (Vieira, 1945a, v. XI, p. 309).

Para ele, em termos de sofrimento, o engenho era a cruz e o negro a própria imitação do Cristo mortificado que redimiu a humanidade do pecado original.

Mas, para Alfredo Bosi (1992, p. 148),

“a moral da
cruz-para-os-outros [sic] é uma arma reacionária
que, através dos séculos, tem legitimado
a espoliação do trabalho humano em
benefício de uma ordem cruenta”.

Além disso, no mundo real das relações de produção, o escravo do Brasil Colonial era apenas a engrenagem principal da máquina mercantilista que alimentou historicamente a acumulação primitiva do capital necessário à Revolução Industrial do século 19.

Nesse contexto, a ação missionária dos padres jesuítas em relação aos escravos
desafricanizados desempenhava a função de conformação cultural da superestrutura societária colonial.

A propósito, eis como Serafim Leite (1938, t. II, p. 358) descreve o sentido da práxis evangelizadora dos inacianos dirigida aos escravos:

[...] a assistência dos Padres aos negros tinha, sob o aspecto de pacificação, importância capital: tornava-se útil para os negros, porque os instruía, ajudava e consolava; útil aos moradores, porque, andando os negros tranqüilos, a vida no Brasil seguia em paz; útil para o Estado (ou como então se dizia, para a fazenda real), porque na paz prosperava a agricultura e a indústria açucareira, criava-se fonte de riqueza e, com ela, fontes de rendimentos públicos. Não menor era o impacto moral. [...] Os escravos, em contacto com os Jesuítas, não fugiam para os mocambos [quilombos], não furtavam, não se amancebavam, não se embriagavam, e diziam que, se procediam assim, é porque se confessavam com os Jesuítas.

É nessa perspectiva que os Sermões do Rosário revestem-se de sentido pedagógico, ou seja, a pregação de Vieira aos “pretos da Ethyopia” propugnava impor-lhes a concepção de mundo fundada na aceitação da escravidão. Com esse intento, pronunciou-se no XX “Sermão do Rosário”, em que aborda os três elementos de distinção dos senhores em relação aos escravos:

“nome, côr e fortuna”. Os seus argumentos
retóricos aqui revelam claramente
a arte do convencimento.

Todas as idéias estão habilmente encadeadas para demonstrar a similitude entre a condição dos escravos e a de Jesus: a sua origem escrava, a pobreza, o sofrimento e, ainda mais, o pioneirismo na divulgação do cristianismo pelos “pretos”.

Sustentando que em nenhum dos três quesitos (nome, cor e fortuna) havia superioridade dos brancos, começa evocando a origem escrava de Jesus lembra que Maria, ao saber que seria a mãe do Filho de Deus, dissera: “Eis aqui a escrava do Senhor” e “antes de ser mãe se chamou escrava”, portanto, Jesus, ao nascer, “enquanto Filho de seu Pai, é Senhor dos homens; mas enquanto Filho de sua Mãe, quis a mesma Mãe, que fôsse tambem escravo dos mesmos homens”, posto que o  parto, “segundo as leis, não segue a condição do pai, senão da mãe”.

Mais adiante, enaltecendo a condição de Maria, afirma que

“Deus não poz os olhos na majestade e grandeza das senhoras, senão na humildade e baixeza da escrava” 
(Vieira, 1948a, v. XII, p. 91-93 e 97).

Ainda nesse mesmo Sermão, enfatiza que: “quando os Apostólos repartiram
entre si o mundo, coube a S. Matheus a Ethiopia; mas quando lá chegou” o Evangelho já tinha sido divulgado “pelo primeiro Apostolo da sua patria [São Filippe], da mesma nação, da mesma lingua, e da mesma côr que os outros Ethiopes”, o que comprovaria a “antecipada diligencia com que os pretos se adiantaram a pregar a fé e veneração de Christo” (Vieira, 1948a, v. XII,
p. 107).

Logo em seguida, indaga da religião dos próprios portugueses naqueles tempos
bíblicos para responder:

O que se acha em pedras e inscripções antigas é que dedicaram templo a Octaviano Augusto, templo a Trajano, e a todos os deuses [...]. 
E quando os portuguezes, sem se lhes fazerem as faces vermelhas na sua brancura, reconheciam divindade n’estes monstros da ambição e de todos os vícios, os pretos nos seus altares adoravam o verdadeiro Filho de Deus e a verdadeira mãe do mesmo Filho.
(Vieira, 1948a, v. XII, p. 108).

Depois, ao abordar o terceiro elemento, diz:

[...] só resta a ultima razão, ou sem razão,
porque os senhores desprezam os escravos,
que é a vileza e miseria da sua fortuna.
Oh fortuna! [...] Virá tempo, e não tardará
muito, em que esta roda dê volta, e
então se verá, qual é melhor fortuna, se a
vil e desprezada dos escravos ou a nobre e
honrada dos senhores 
(Vieira, 1948a, v. XII, p. 113).

Prosseguindo, buscou assemelhar a “fortuna” do negro à de Lázaro  estabelecendo comparações históricas:

“Digam-me os ricos quem foi êste rico 
e os pobres quem foi êste Lázaro? 
O rico foi o que são hoje os que se chamam senhores, 
e Lázaro foi o que são hoje os pobres escravos” 
(Vieira, 1948, v. XII, p. 114).



Mas, condenando as tiranias, lastimando a situação triste dos oprimidos, quando assim os consolava da desigualdade de sua condição, o fim do orador era incutir-lhes conformidade, tal como analisou J. Lúcio Azevedo (1931, t. 2, p. 285):

"Nem êle podia condenar a escravidão. 
A isso o forçava a coerência, desde que sempre advogara se trouxessem escravos de África, para libertar os índios do obrigatório serviço. 
O Brasil tem o corpo na América e a alma na África, escrevera ele [...] Sem negros não haveria trabalho: era o argumento
da necessidade. O de que por êsse meio se salvavam tantas almas ignorantes de Deus escondia-lhe o horror do acto injusto. O mesmo raciocínio podia convir aos índios, mas êsse não o admitia."

Mas observemos outros elementos da aculturação nos seus Sermões:

“a gente
preta tirada das brenhas da sua Ethyopia,
e passada ao Brazil, conhecera bem quanto
deve a Deus [...], por este que pode parecer
desterro, captiveiro, e desgraça, e não é
senão um milagre, e grande milagre!”
(Vieira, 1945a, v. XI, p. 305).

Já o XXVII Sermão nos põe em contato com uma retórica tocante sobre as duas partes do homem – corpo e alma – cuja finalidade era mostrar que só era escrava uma delas:

“Sois
captivos n’aquella metade exterior e mais
vil de vós mesmos, que é o corpo; porém
na outra metade interior e notabilissima que
é a alma [...], não sois captivos, mas livres”.

Mas a liberdade, como se depreende de suas palavras, deveria tomar um único caminho: o da conversão. Advertindo para o perigo de se “vender a alma ao demonio”, professava que a alma não convertida consistia em pior cativeiro que o do corpo,

“e d’este captiveiro tão difficultoso, e tão
temoroso e tão immenso é que eu vos
prometto a carta de alforria pela devoção
do Rosario da Mãe do mesmo Deus”
(Vieira, 1948b, v. XII, p. 340-341 e 350).


Livres do maior e mais pesado cativeiro, que era o das almas, ainda permaneceriam escravos do corpo. Mas, nesse ponto, deparamo-nos com a argumentação mais impressionante tendente ao conformismo.

Admitindo ser “triste e miserável servir sem esperança de premio em toda a vida, e trabalhar sem esperança de descanço, senão na sepultura” afirma que nisto residia o “bom remedio” pregado pelo Apóstolo Paulo:

“O remedio é que quando servis a vossos
senhores, não os sirvaes como quem serve a
homens, senão como quem serve a Deus [...]
porque Deus vos ha-de pagar o vosso trabalho”
(Vieira, 1948b, v. XII, p. 358).

Mais adiante, evoca Pedro, que depois de falar com os cristãos em geral:

[...] se dilata mais com os escravos e os anima
a supportarem a sua fortuna com toda a
magestade de razões. [...] e logo ajunta as
razões dignas de se darem aos mais nobres
e generosos espiritos. Primeira: porque a
gloria da paciencia é padecer sem culpa
[...] Segunda: porque essa é a graça com
que os homens se fazem mais aceitos a Deus
[...]. Terceira, e verdadeiramente estupenda:
porque n’esse estado em que Deus vos
poz, é a vossa vocação similhante á de seu
Filho, o qual padeceu por nós, deixandovos
o exemplo, que haveis de imitar. [...]


Não compara a vocação dos escravos a outro grau, ou estado da Igreja, senão ao mesmo  Christo. Mais ainda. Não pára aqui o Apostolo; mas acrescenta outra nova e maior prerrogativa dos escravos, declarando por quem padeceu Christo

[...] A Paixão de
Christo teve dois fins: o remedio e o exemplo.
O remedio foi univesal para todos nós,
mas o exemplo não resta duvida S. Pedro
afirmar que foi particularmente para os escravos
[...] e porque? Porque nenhum estado
há entre todos mais apparelhado no que
naturalmente padece, para imitar a
paciencia de Christo e seguir as pisadas de seu exemplo 
(Vieira, 1948b, v. XII, p. 359- 360).

Conclui afirmando que os escravos não deveriam trabalhar de má vontade pois se nessa vida eles serviam aos senhores, acaso não seria uma mudança notável se na outra vida os senhores lhes servissem? Não, responde ele próprio. Isto seria muito pouco porque:

[...] esta grande mudança de fortuna que
digo não há-de ser entre vós e elles, senão
entre vós e Deus. Os que vos hão-de servir
no céo não hão-de ser vossos senhores que
muito pode ser que não vão lá: mas quem
vos há-de servir no céo é o mesmo Deus em
Pessoa. Deus é que vos ha-de servir no céo,
porque vós o serviste na terra 
(Vieira, 1948b, v. XII, p. 362).

Com essa prédica, estaria trocada a fortuna dos escravos: cá servindo aos homens, e lá sendo servidos por Deus. Por essa razão, deveriam trocar o fim de seu trabalho,

“fazendo-o de forçoso a voluntario, 
e servindo a vossos senhores como a Christo”
(Vieira, 1948b, v. XII, p. 365-366).

Difícil encontrar justificativa tão conformista sobre a escravidão no Brasil! Mas notemos também que Vieira escolhe sutilmente as palavras e a ocasião para atingir os colonos escravistas quando assevera que não serão os senhores que servirão os escravos no céu porque “muito pode ser que não  vão lá”.

Cabe-nos indagar, porém, sobre o efeito desta possibilidade transcendental na
soberba e na irracionalidade dos senhores.
Temeriam eles tal “ameaça”? Trocariam a sua condição de mando aqui na sociedade humana pela hipótese de ganhar o paraíso celestial? A resposta, a História já nos deu.

Por isso, constatamos que o pensamento de Vieira (1945c, v. III, p. 14) apresenta aspectos contraditórios. No que diz respeito à escravidão indígena, o pregador admoestava a aristocracia agrária do Maranhão: "deixeis ir livres os que tendes captivos”. Mas, em relação aos negros cativos, como vimos, o pregador jesuíta procurava justificá-la comparando-a ao sofrimento de Jesus.

 
...

Mas, Vieira insiste, essas palavras não são suas. Tudo o que ele diz vem da autoridade máxima, da Bíblia, e ele cita a profecia, continuação do sermão, de que “Virá tempo, diz David, em que os Ethyopes (que sois vós) deixada a gentilidade e a idolatria, se hão-de ajoelhar diante do verdadeiro Deus” e “não baterão as palmas como costumam, mas fazendo oração, levantarão as mãos ao mesmo Deus” (303). Neste momento, como já havia feito no “Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Hollanda,” Vieira dá aos seus compatriotas portugueses o lugar lugar mais importante nos desígnios de Deus, dizendo que as duas profecias:

"Cumpriram-se especialmente depois que os portuguezes 
conquistaram a Ethyopia occidental, e estão se cumprindo hoje mais e melhor que em nenhuma outra parte do mundo n’esta da America, aonde trazidos os mesmos Ethyopes em tão innumeravel numero, todos com os joelhos em terra, e com as mãos levantadas ao céo, crêem, confessam, e adoram no Rosario da da Senhora todos os mysterios da Encarnação, Morte e Resurreição do Creador e Redemptor do mundo…" (303).

Então, neste argumento, o que os portugueses fizeram não só já estava previsto na Bíblia, mas também participava de uma necessária melhoria especialmente para os negros. Que importava se, durante a travessia do Atlântico muitos haviam morrido de fome, de doenças contagiosas, de torturas infligidas pelos marinheiros portugueses?

Que diferença fazia, para o grande plano cristão, que muitos morriam de tristeza assim que chegavam ao Brasil? Quem deveria se preocupar se para muitos dos presentes a este sermão a vida de escravo era um constante martírio, tanto físico como espiritual? Estes negros que aqui estavam, Vieira repete, deviam lembrar-se sempre que a própria mãe de Jesus Cristo os havia escolhido especialmente por filhos, e que isso que “pode parecer desterro, captiveiro, e desgraça... não é senão milagre, e grande milagre” (305).

A argumentação do sermão, deste ponto em diante da parte VI, envereda por caminhos ainda mais bíblicos, tentando explicar a arbitrariedade divina, a preferência dos pais divinos por um filho e não o outro. Esaú e Jacó são trazidos à cena, explicando que um é amado, porque é amável, e o outro não é amado, porque não é amável. O ponto aqui é claro: é possível para um pai amar a um filho mais que ao outro, por nenhuma razão aparente. Esta retórica serviria para calar aqueles que talvez quisessem refutar este amor de Deus em face dos tratamentos bárbaros que os donos cristãos destes mesmos escravos lhes infligiam.

Por fim, Vieira repete que os escravos devem sentir-se privilegiados por terem sido escolhidos para serem cristãos. Infelizes são aqueles que permanecem na África, adorando seus falsos deuses, longe do cristianismo, sem a possibilidade da salvação.

Mas, como Vieira rapidamente esclarece, ser cristão exige certos sacrifícios. Já que, como ele havia explicado, o terem sido trazidos da África não foi sacrifício, mas uma grande honra, os negros não devem usar seus trabalhos como desculpa para não seguirem suas obrigações de cristãos e de devotos de Nossa Senhora.

É interessante, neste momento, como Vieira mostra estar consciente do dia a dia dos escravos, porque ele descreve detalhadamente seus trabalhos nas caldeiras do engenho e nos cômodos das casas. Embora o fim último seja para descartar o trabalho como insuficiente razão para não rezar o rosário várias vezes por dia, Vieira usa a oportunidade para dizer aos donos que eles também eram responsáveis pela devoção de seus escravos.

O que não deixa de soar incrível, para um leitor de nosso tempo, é que Vieira presenciou, em pessoa, o trabalho dos escravos. Ele viu e testemunhou seu sofrimento em primeira mão. Mas tudo isso ainda não lhe pareceu suficiente sequer para explicar ou justificar ou perdoar a um escravo que não cumprisse suas obrigações “de cristão” como se ele tivesse tempo e lazer para fazer suas orações várias vezes ao dia.

Isso se confirma no mesmo parágrafo onde, talvez pra evitar que os donos dos escravos pensassem que ele os estava censurando, Vieira volta às citações bíblicas para esclarecer que os negros eram, “filiis Coré” — filhos do Calvário.

Esta parte da gênese dos negros, que já havia sido explicada no início do sermão, agora vai ser expandida dessa maneira: “id est, imitatoribus in loco Calvariae crucifixi” (309). Vieira expande: “Não ha trabalho, nem genero de vida no mundo mais parecido á Cruz e Paixão de Christo, que o vosso em um d’estes engenhos” (309). E, se por acaso alguém pensar em usar esta situação como alavanca para conseguir um melhor tratamento, Vieira arremata:

“Bemaventurados vós se soubereis conhecer a fortuna do vosso estado, e com a conformidade e imitação de tão alta e divina similhança aproveitar e santificar o trabalho!” (309).

Parece-me óbvio que a intenção de Vieira, com esta última parte do parágrafo, torna-se não só clara mas documentada. Como imitadores do crucificado no Calvário, aos negros só lhes resta o papel de crucificados, torturados, vítimas inocentes, e silenciosas.

Aliás, seguindo o fio do pensamento de Vieira, o papel de crucificados não lhes deveria ser pesado, nem difícil, nem doloroso, mas deveriam ser felizes e agradecidos aos donos que lhes propiciavam tal ventura e possibilidade de alcançar a vida eterna.[14]

Que influência o conhecimento da existência dos quilombos que estavam começando a se formar na zona açucareira teria nos escravos deste engenho onde o sermão foi primeiramente proferido?

Vieira, como homem branco, e especialmente como homem branco da mesma classe social de onde vinham os senhores de engenho, certamente sabia da existência dos fugitivos e quilombolas.

Ele, como pregador, sabia muito bem do poder da palavra, e não podia arriscar que os escravos fossem “seduzidos” pela promessa de liberdade, ou de uma vida melhor nos quilombos, se acaso notícia da sua existência chegasse até os engenhos.

Seu sermão dizia aos negros que eles só tinham uma opção de felicidade e de vida eterna, e esta era de cumprir seu papel de filhos de Coré — filhos do Calvário, imitadores de Cristo na hora da sua tortura e da sua morte.

A doçura, o enobrecimento da realização deste papel e desta profecia devia subjugar qualquer outro prazer, qualquer outra alegria porque, se o Cristo “se gosava muito que o crucificassem” (313), como poderiam os negros rejeitar tão alto chamado?

Para eles, a paciência no sofrimento, a aceitação na tortura, e o agradecimento na morte estavam escritos muito antes deles terem vindo ao mundo, e portanto, não haveria nenhuma outra maneira de salvação.

Vieira chega a tal ponto na sua exaltação da sorte e felicidade dos negros escravos que, depois de uma descrição realista dos trabalhos e horrores das caldeiras de um engenho, insinua que ele os inveja: “n’essa triste servidão de miseravel escravo tereis o que eu desejava sendo rei” (318), e arremata que “mais inveja devem ter vossos senhores ás vossas penas, do que vós aos seus gostos, a que servis com tanto trabalho” (320).

Em seu livro as Américas e a civilização, publicado em 1969, o sociólogo Darcy Ribeiro sustenta que o Brasil, em seus inícios, não era uma nação, mas um entreposto de comércio, e “os interesses das castas dominantes queriam que ela continuasse desta maneira, latifundiária e escravocrata, e mais tarde latifundiária e ‘livre,’ mas sempre latifundiária e oligárquica” (208).

Naturalmente, para que os interesses destas castas dominantes se tornassem realidade em face da maioria de subjugados, vários elementos teriam que entrar em jogo. Um deles, o mais óbvio, foi o uso de força. De que outra maneira podemos compreender que navios inteiros de homens e mulheres fortes se deixassem dominar pelos portugueses que os arrebatavam ou compravam na África e os traziam para as terras do Brasil? Este comércio durou pelo menos duzentos e cinqüenta anos. Diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, a importação de africanos foi constante no Brasil até depois de meados do século XIX, e o contingente humano negro em muito ultrapassava o dos brancos.

Mas o uso da força bruta, além de dispendioso, podia representar a perda da mercadoria — ou seja, a morte dos negros. Darcy Ribeiro escreve que aproximadamente cem milhões de africanos foram trazidos para a América em quatrocentos anos, e mesmo levando-se em conta que a metade deles foram mortos durante a travessia (182), podemos afirmar que, em todos os momentos da história do Brasil precedendo a imigração massiva de europeus e asiáticos (especialmente japoneses) no fim do século XIX e começo do século XX, a população negra se constituía na maioria absoluta da população brasileira. Além da força bruta, a dominação dos negros — tantos os escravos como os libertos — se fez através da ideologia.

A igreja católica, como muitos já disseram, se encontrou na ponta de lança dessa ideologia. Não é de se admirar, por exemplo, que somente no dia 5 de maio de 1888 - oito dias antes da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel — o Papa Leo III tornou pública uma carta dando apoio à causa da libertação dos escravos do Brasil. Sobre este ponto, o abolicionista Joaquim Nabuco escreveu que a deserção do clero brasileiro de seu papel de defensor dos oprimidos tinha sido uma vergonha. Nabuco continua que o clero jamais tomou o lado dos escravos, e jamais usou a força da religião para aliviar o sofrimento dos negros (citado em Conrad, 1984, 153).

Neste ponto, é possível discordar de Nabuco, se levarmos em consideração o sermão de Vieira que vimos analisando. Quando Vieira conclama os escravos a não só aceitarem, mas a ficarem felizes com sua cruz, que está fazendo ele senão aliviando o sofrimento dos negros? Ademais, quando Vieira coloca os escravos como filhos diletos de Maria, aqueles que foram predestinados a serem filhos do Calvário, não está ele dando a eles um projeto de vida, um plano de salvação, e um significado para sua existência?

http://www.espacoacademico.com.br/036/36ebueno.htm



sábado, 12 de outubro de 2013

A Barca e seus simbolismos

Esperança do Amanhecer

Filha dos sonhos,
Corra abra a porta
Do velho carvalho.
Escute os seus segredos.
O poente se aproxima.
A vida se encaminha.
A felicidade está viva.
Dance até cair à última folha.

Pegue o galho dourado
E atravesse o portal.
Corra, o tempo voa,
Os Deuses estão aqui.
Pegue o galho prateado
E atravesse o portal.
A luz brilha sobre vocês.

Não desista, a Barca lhe espera.
As sementes novamente germinam
E os séculos despertaram o Rei.
Corra e abrace o seu sonho.
Toque o seu coração.
A tua mão o alcança.
Traga-o de volta.

Filhos da Arte e do amor.
A Senhora não mente
E aqui se faz presente.
Acredite na força da magia.
Abençoados sejam!


Rowena Arnehoy Seneween ®
poema pagão
 
 
Barca Egípcia

O livro Am-Tuat do antigo Egito descreve como o Rá o deus-sol morto atravessa as 12 estações infernais da noite (as 12 horas noturnas) e se transforma no Kheperâ, o escaravelho.

Na 10° estação, e na 12° estação ele sobe à Barca que trará o deus-Sol rejuvenescido de volta ao céu matinal...

Tendo o barco solar chegado até aqui, o deus Rá preparava-se para emergir das águas de Nun, a divindade que personifica as águas primordiais, novamente sob a forma de um disco que iluminaria os céus deste mundo.

Estando na água, o barco é mantido pelos braços do próprio deus Nun.

Rá aparece na embarcação sob a forma de um escaravelho que empurra um disco solar.

O escaravelho é um símbolo clássico de renascimento - e o emergir da escuridão também... a escuridão da ignorância para a Iluminação...

Anel com escaravelho - Museu do Egito


 
Barca em Alabastro e Ouro 



A Barca Grega...

Na mitologia grega, Hades é filho de Crono e Réia, Hades é retratado como um deus sombrio e invisível, mesmo tendo uma posição menos relevante que a de Zeus, possuía enorme poder, suas leis eram irrevogáveis, uma vez que dentro de seu reino, nem mesmo Zeus poderia interferir.

Tradicionalmente Hades é também o nome dado aos infernos dos gregos, que possui uma geografia muito bem definida:

O reino de Hades tem como principal entrada um bosque de álamos. Quando o morto aí chega conduzido por Hermes, recebe de seus parentes uma moeda que é posta debaixo de sua língua para pagar Caronte.

Caronte é o barqueiro que acompanhado por seu cão Cérbero, conduz as almas dos mortos pelo Estinge até o inferno, mas, velho e avarento, exige que o morto lhe dê uma moeda pelo transporte, sob pena dele ficar vagando por 100 anos nas margens do Estinge.

O Estinge rodeava 7 vezes o Hades – separando o reino dos mortos do reino dos vivos. Estinge significa “veneno”, mas, suas águas, ao mesmo tempo, tornam invulneráveis todos que nela se banham – foi onde Tétis banhou seu filho Aquiles, tornando-o invulnerável, exceto seu calcanhar por onde Tétis o segurou.

Estinge possui os afluentes:
1. Aquirom – que significa fluxo de angústia ou rio de Aflição
2. Cocytus ou Cocito – com águas muito lodosas e amargas e significa “lamentação”.
3. Flageton – do latim flagellu – que rolava em rodas de fogo e significa “queimar”.
4. Letes – do latim lethargie – significando letargia, sono profundo, torpor, incertezas e esquecimento.

Letes é o reino do abençoado esquecimento no qual a alma dos mortos submergem antes de voltarem ao mundo para uma nova encarnação.

Perséfone é a rainha do reino de Hades, esposa de Hades e filha de Deméter – a mãe Terra. Perséfone é a guardiã dos segredos dos mortos

Tártaro – é a parte do reino de Hades onde ocorrem as punições, que é determinada por três juízes,
1. Eaco – célebre por sua justiça,
2. Radamanto e
3. Minos – sábios legisladores e juízes, que são filhos de Zeus.

As Eríneas - filhas da Terra, são três irmãs – Tesífone, Alecto e Megera, são as divindades de Hades, viviam no Tártaro e tinham por missão punir os crimes dos homens. São as deusas da vingança, punindo aqueles que derramaram sangue ou quebraram juramentos. Retratadas com os cabelos entrelaçados por serpentes, tinham uma tocha em uma das mãos e em outra um punhal. Sua punição é a loucura. Ésquilo diz que elas são filhas de Nix – a deusa da Noite.

As Moiras, são três irmãs, também filas de Nix, são as Servas da Justiça Primordial, e as divindades do destino, elas regem a morte e a vida , são as grandes tecedeiras do destino de cada ser.
1. Cloto – tece os fios e preside os nascimentos.
2. Láquelis – faz girar a roda e mede os fios
3. Átropos – corta os fios.

Assim, a atividade da natureza, sua criação e formação engenhosa eram simbolizadas na fiação, no trançado e na tecelagem do destino humano, elas tecem nas profundezas a vida e a enviam para cima, e, na morte, tudo retorna a elas.

Hades, portanto, é um mundo completamente diferente do inferno cristão, lá é o lugar para onde os mortos são enviados para serem julgados, e também onde seus próximos destinos/vidas serão traçados ou tramados e de onde renascem para uma nova vida corpórea.

Daí a necessidade e o interesse de se pagar a Caronte para entrar no Hades - o reino dos mortos - a outra margem... muito semelhante a Avalon


A Barca Pagã

Antigos manuscritos irlandeses evocam alguns nomes para Avalon, são eles: Tir na Nog, o País da Juventude; Tir Innambeo, o País dos Viventes; Tir Tairngire, o País da Promessa; Tir Naill, o Outro Mundo; Mag Mar, a Grande Planície ou Mag Mell.

Entre as populações de origem céltica, a maçã representa o conhecimento, a revelação e a magia.

Existem vários relatos referentes às viagens célticas ao Além, Immram, as jornadas místicas, nas quais um herói é atraído por uma fada, que lhe entrega um ramo de maçã e o convida para ir para o Outro Mundo, como em A Viagem de Bran, Filho de Febal.

Num outro Immram, A Viagem de Maelduin, que trata da busca do herói pelos assassinos de seu pai, ele passa por uma ilha onde encontra uma macieira e dela corta um ramo com três maçãs. Estes frutos são capazes de saciar a sua fome e a de seus companheiros por quarenta dias sem ingestão de qualquer outro alimento. (Jean Markale, 1979:246)

A Ilha das Maçãs também recebe o nome de Ilha Afortunada porque ali há todo tipo de vegetação natural. As colheitas são abundantes e os bosques estão cobertos de maçãs e uvas. Avalon era governada por Morgana e suas nove irmãs, que também possuíam o dom da imortalidade. Avalon está associada a Caer Siddi, o Outro Mundo ou Annwn, a Terra dos Mortos e da Eterna Juventude.

Assim falou Morgana:
"A ilha sagrada de Avalon é linda e serena,
mas somente para aqueles que preservam a sinceridade no coração...

Onde está o caminho que nos leva de volta?
...Mas a vida empurra e a alma finalmente se liberta....
...Vou chamar a barca que me leva de volta, além das brumas...
Avalon se foi para nunca mais voltar
e apenas retornará se o canto novamente souber invocar!
Assim falou Morgana... "

Não é mera coincidência ter em Avalon a Árvore das Maçãs, que dão conhecimento, tal  e qual a antiga história da maçã de Eva... ambos alegorias são a mesma coisa... simbolizam a mesma coisa, apenas Eva e sua Maçã foram desfiguradas pela ICAR -

A Sabedoria sempre foi Sophia - feminino...
a contraparte do Conhecimento masculino
Pai-Mãe portanto
cujo filho é o Universo

e sabemos que o Catolicismos desfigurou o lugar da mulher desde sempre
a colocando como bruxa em suas fogueiras.



Braceletes e Pendentes com os Escaravelhos



Olho de Horus - Aquele que tudo vê




E... finalmente...

o Deus Egipcio Anúbis - a divindade do Inferno sobre uma Arca
é o psicopombo que leva as almas para o Inferno...
de que? - de Barco



Todas essas peças pertencem ao acervo do Museu do Cairo
e foram descobertas nas escavações no Vale dos Reis em 1922
e pertenciam a Tutankhamon



Em Doutrina Secreta vol.IV Blavatsky escreve o seguinte:

"El Arca, en la cual se conservan los gérmenes de todas las cosas vivas necesarias para volver a poblar la Tierra, representa la supervivencia de la vida, y la supremacía del espíritu sobre la materia, en el conflicto de los poderes opuestos de la naturaleza.

En el mapa astroteosófico del Rito Occidental, el Arca corresponde con el ombligo, y está colocada al lado izquierdo, el lado de la mujer (la Luna), uno de cuyos símbolos es la columna de la izquierda del templo de Salomón, Boaz.

El ombligo está relacionado (por medio de la placenta) con el receptáculo en donde se fructifican los embriones de la raza.

El Arca es el Argha sagrada de los indos, y así no es difícil inferir su relación con el Arca de Noé, teniendo en cuenta que el Argha era un vaso oblongo, usado por los sumos sacerdotes como cáliz sacrificador en el culto de Isis, Astarté y Venus–Afrodita, todas las cuales eran Diosas de los poderes generadores de la naturaleza, o de la materia; y por tanto, representaban simbólicamente al Arca que contenía los gérmenes de todas las cosas vivas .

7. La “Cámara del Rey” en la Pirámide de Cheops es, pues, un “Sagrario de Sagrarios” egipcio. En los días de los Misterios de la Iniciación, el Candidato que representaba el Dios Solar tenía que descender dentro del Sarcófago, y representar el rayo vivificador penetrando en la matriz fecunda de la Naturaleza.

Al salir de él a la mañana siguiente, tipificaba la resurrección de la Vida después del cambio llamado Muerte. En los grandes MISTERIOS, su “muerte” figurada duraba dos días, levantándose con el Sol a la tercera mañana, después de una última noche de la más crueles pruebas. Al paso que el Postulante representaba al Sol –el orbe que todo vivifica, que “resucita” todas las mañanas para comunicar vida a todo– el Sarcófago era el símbolo del principio femenino.

Así era en Egipto; su forma y figura cambiaba en cada país, pero permaneciendo siempre como un barco, una “nave” simbólica o un vehículo en forma de bote, y un recipiente, simbólicamente, de los gérmenes o el germen de la vida.

En la India es la Vaca “de oro” por la cual tiene que pasar el candidato al brahmanismo si desea ser un brahman y convertirse en un Dvi–ja, “nacido por segunda vez”.

El Argha en forma de media luna de los griegos era el tipo de la Reina del Cielo, Diana o la Luna. Ella era la Gran Madre de todas las Existencias, así como el Sol era el Padre.

Los judíos, tanto antes como después de su metamorfosis de Jehovah en un Dios macho, rendían culto a Astoreth, lo cual hizo decir a Isaías:

“Vuestras lunas nuevas y… fiestas odia mi alma”

dicho evidentemente injusto. Astoreth y las Fiestas de la Luna Nueva (el Argha en creciente), no tenía un significado peor, como forma de culto público, que el que tenía el sentido oculto de la Luna en general, el cual, en sentido kabalístico, estaba relacionado directamente con Jehovah, como es bien sabido; con la sola diferencia, sin embargo, de que uno era el aspecto femenino y el otro el masculino de la Luna, y de la estrella Venus.

3. Archê (!Arch>) en este sentido corresponde al Rasit hebreo o la sabiduría… una palabra qué significaba el emblema del poder generativo femenino, el Arg o Arca, en la cual se suponía que el germen de toda naturaleza flotaba o se cernía sobre el gran abismo durante el intervalo que tenía lugar después de cada ciclo del mundo.

4. Así es, en efecto; y el Arca de la Alianza judía tenía precisamente el mismo significado, con la adición suplementaria de que, en lugar de un sarcófago casto y bello (símbolo de la Matriz de la Naturaleza y de la Resurrección), como en el Sanctasanctórum de los paganos, habían hecho el Arca aún más realista en su construcción por los dos Querubines colocados, frente a frente, sobre el cofre o Arca de la Alianza, con las alas abiertas de tal manera, que formaban un Yoni perfecto (como se ve ahora en la India).

5. Además de esto, este símbolo generador tenía su significado reforzado por las cuatro letras místicas del nombre de Jehovah, a saber I H V H (hvhy) Jod (y), significando el membrum virile; Hé (h), la matriz; Vau (v), un garfio o gancho, un clavo, y Hé (h) de nuevo significando también “una abertura”. El total formaba el emblema o símbolo perfecto bisexual o I (e) H (o) V (a) H, el símbolo macho y hembra.

8. La ceremonia de pasar por el Santo de los Santos –simbolizado ahora por la Vaca, pero en el principio por el templo Hiranyagarbha, el Huevo Radiante, en sí mismo símbolo de la Naturaleza Abstracta Universal– significaba la concepción y nacimiento espiritual, o más bien el renacimiento del individuo y su regeneración; el hombre encorvado a la entrada del Sanctasanctórum, pronto a pasar por la de la Madre Naturaleza, o la criatura física pronta para volver a convertirse en el Ser Espiritual original, el HOMBRE pre–natal.

Entre los semitas, este hombre encorvado significaba la caída del Espíritu en la Materia, y de esta caída y degradación hacían apoteosis, con el resultado de arrastrar a la Deidad al nivel del hombre.

Para los arios, el símbolo representaba el divorcio del Espíritu de la Materia, la vuelta a la Fuente primordial y la sumersión en ella; para el semita, el connubio del Hombre Espiritual con la Naturaleza Femenina Material, lo fisiológico sobreponiéndose a lo psicológico y puramente inmaterial.

Los puntos de vista arios sobre el simbolismo eran los de todo el mundo pagano; las interpretaciones semíticas emanaban, y eran eminentemente propias de una tribu pequeña, marcando así sus rasgos nacionales y los defectos idiosincrásicos que caracterizan a muchos judíos hasta hoy día...


 

tópico original da comunidade da Barca do Orkut

por Rita Candeu - 25/12/2008

Caldeirões e seus simbolismos...

Cerridwen, a porca branca, é reverenciada em Avalon como a Deusa Anciã. É a Deusa da transformação, cujo o caldeirão devemos adentrar para renascer. É a lavadeira do rio e a feiticeira, na face escura da Lua como Cailleach, e aqueles que não a entendem, geralmente a temem.

O caldeirão é o Graal para curar todos os males, que reaviva os mortos e cura os enfermos, no Outro Mundo. Cerridwen vive ao lado de um lago, em Avalon, sendo a detentora do Caldeirão da morte e do renascimento.

Avalon está associada a Caer Siddi, o Outro Mundo ou Annwn, a Terra dos Mortos e da Eterna Juventude.

Existia em Caer Siddi uma fonte onde jorrava vinho doce e onde envelhecimento e doença eram desconhecidos.

Entre os seus tesouros havia um caldeirão mágico, tema diretamente ligado à abundância existente na Ilha das Maçãs. (Ellis, 1992: 25; Geoffroy de Monmouth, Vita Merlini e Jean Markale, L'épopée Celtique en Bretagne).

Na mitologia céltica existem dois tipos de caldeirão: o caldeirão do renascimento e o caldeirão da abundância.

Dagda, pai de todos os Deuses, possuía um caldeirão proveniente da cidade de Múrias. Ao provar dele, ninguém passava fome, (Ellis, 1992:77).

Já Matholwch recebera o caldeirão do renascimento do Deus Bran e com ele era possível ressuscitar um morto, mas que perdia a capacidade de falar.


Havia ainda um terceiro caldeirão entre os celtas, o caldeirão do sacrifício, no qual os maus monarcas eram jogados.

É possível observar aqui, um sentido totalmente diferente dado à figura régia, que tem principalmente a tarefa de estabilizar a sociedade e que é descartada quando não cumpre bem suas funções.

O monarca é mais um “moderador ou distribuidor de riquezas que um detentor de poderes civis e militares”.

Representa um garantidor da abundância, sendo o rei que sobrecarrega os súditos de impostos, sacrificado, afogado numa tina de cerveja ou hidromel. (Le Roux e Guyonvarc'h, 1993:63)

essa lei bem que podia ser adotada né?... que acham? hehehehehe




O tema do caldeirão, mais tarde, deu origem ao mito do Graal, inicialmente nas obras de Chrétien de Troyes. Com a sua cristianização em fins do século XII, o conteúdo do cálice passou a ser o sangue de Cristo na cruz. Sangue, o conhecimento, o alimento da alma.

O Graal está relacionado à Pedra Filosofal, à Fênix e ao Caldeirão. O símbolo da Grande Mãe, a taça, o receptáculo da Deusa.

Analisando por esse princípio, Avalon é, com certeza, o seu representante direto, sendo suas sacerdotisas, as guardiãs dos segredos do caldeirão ou os segredos da tríplice divina. Esse é um assunto bastante polêmico, mas de grande importância, pois sua essência está ligada diretamente à descendência do sangue real ou ao despertar da consciência.

Podemos dizer que é o reencontro da unidade cósmica dentro do nosso templo sagrado, a nossa “sancta sanctorum”, ou seja, a nossa alma transmutando para uma nova realidade espiritual. Que assim seja!



E  todos  os demais caldeirões de todos os povos - índigenas e ciganos e orientais - possuem os mesmo significados... idêntico do acima descrito...

Esse é um Patrimônio da Humanidade que sempre existiu em todos os povos, religiões e nações...

Blavatsky afirma que não houve um único "fundador" de alguma religião.. o que os líderes religiosos - tais como Moisés - fizeram foi apenas traduzir para o entendimento de seu povo Tradições muito antigas... talvez mais antigas do que a própria Terra...

No I Ching - livro oracular milenar da China - também tem o seu Ting - Caldeirão - o Hexagrama n°50 - ali encontramos o seguinte texto:

"....O Caldeirão representa a superestrutura cultural da sociedade... Tudo o que é visível deve se expandir para além de si mesmo, até penetrar no âmbito do invisível. Desse modo alcança sua verdadeira consagração e clareza, enraizando-se fimemente na ordem cósmica...

... O Ting serve para oferenda de sacrifício a Deus. Os mais elevados valores terrenos devem ser oferecidos e sacrifício a Deus...
 

(aqui fica explicito que o Ting é um utensílio sagrado de cerimonial)

Nada transforma as coisas tanto quanto o Ting.

As transformações ocasionadas pelo Ting são por um lado as mudanças sofridas pelos alimentos ao cozinharem ...

o Ting significa a acolhida do novo... (e) também significa transformação..."


 Aqui o simbolismo se repete

O Ting é ao mesmo tempo

1 - objeto cerimonial - onde é preparado o alimento para os homens dignos - que podemos definir como aqueles que recebem além do alimento físico o espiritual, uma espécie de Iniciação - onde o adepto recebe o Conhecimento

2 - e de transformação que é o produto por assim dizer da Iniciação e conquista do Saber... o adepto se transforma ou transmuta-se em outro ser após obter o conhecimento...

Isso fica muito evidente ao longo da descrição das 6 linhas que compões o hexagrama.
nas linhas :
1° - o Ting está emborcado - não contendo conteúdo algum... aqui o Ting está sendo limpo dos refugos...

2° - há alimento no Ting mas o individuo não compartilha co os outros

3° - aqui as alças do Ting estão invertidas e então é impedido que o conteúdo seja servido... simbolizando alguém que apesar do conhecimento não é notado

4° - O Ting está com as pernas quebradas e a refeição é derramada... aqui uma advertência quanto à responsabilidade da tarefa onde o empenho deverá ser edobrado

5° - Aqui o Ting aparece com argolas de ouro -

6° - Aqui o Ting tem argolas de Jade- significando o sábio que aconselha - um Iniciado já realizado portanto...

Esses simbolismos de Graal, Ventre, Caldeirão, Cálice e Barca são sempre muito semelhantes... são todos veículos de Trasmutação que permitem alcançar a outra margem... isto é... Nirvana, Céu, Avalon, Plenitude, Iluminação, etc...

São simbolismos de Renascimento Espiritual

Ah! sim! havia me esquecido...

Barca - Arca de Noé ou Arca da Aliança - mesmo simbolismo...

todos que tocavam a Arca eram mortos ....

A Barca temos a de Caronte de Osires e das Sacerdotizas de Avalon - sempre carregando os mortos...

Vou fazer outra postagem sobre "a Barca"

e deixo aqui esse poema:


Filhos das Estrelas


Salve Filhos das Estrelas Brilhantes,
Vindos nas asas de Erin, pelas bênçãos de Dannan!
Mestres da magia, ouçam o nosso chamado,
Mostre-nos a pedra do destino, a Lia Fáil

Pela espada de Nuada, seja a justiça equilibrada
Nas verdades da Deusa e do Deus.
E que a lança de Lugh, o Brilhante,
Nos dê a vitória sobre o orgulho desmedido.

Que o caldeirão da transformação do Grande Dagda,
Possa nos renovar todos os dias,
Abençoando-nos com sua fartura e bem-aventurança.

Pela triqueta sagrada, se apresentem hábeis filhos,
Os Tuatha De Danann, pelo código de honra ao teu povo!
Tanto nos montes e nas florestas abaixo da terra,
Assim como, toda a terra acima de toda a terra.

Se façam presentes em nós, para que vossa sabedoria,
Possa nos levar adiante no propósito maior,
No principio da tua mais perfeita criação,
Em benefício de toda a humanidade.

Que a luz brilhe na escuridão e o amor guie os corações,
Na esperança do amanhecer, a eterna promessa.
Dos Filhos das Estrelas Brilhantes!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pontes de raízes vivas.....!!!


Nas profundezas do nordeste da Índia,
num dos lugares mais úmidos na terra,
as pontes não são construídas - vão crescendo.



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Cresceram das raízes de uma seringueira.
O povo de Khasis Cherapunjee Betel usou troncos de árvores,
cortadas ao meio e ocos por dentro, para criar o "sistema-raízes de orientação."

Quando chegarem ao outro lado do rio,
estarão em condições de criarem raízes no solo.

Dando tempo suficiente, uma robusta ponte viva é produzida.

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As pontes de raízes,
algumas das quais com mais de cem metros de comprimento,
levaram entre dez a quinze anos para se tornarem totalmente funcionais,
sendo extremamente fortes.


Algumas podem suportar o peso de 50 ou mais pessoas ao mesmo tempo.


Uma das estruturas de raízes mais original da Cherrapunjee
é conhecida por "Umshiang Double Decker-Root Bridge".

É composta por duas pontes sobrepostas !



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Porque as pontes estão vivas e ainda a crescer,
ganham força ao longo do tempo
e algumas das pontes-raízes antigas ainda são usadas diariamente pelo povo das aldeias à volta de Cherrapunjee, que podem ter bem mais de 500 anos.
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Mas não são estas as únicas pontes construídas a partir de plantas em crescimento.
O Japão também tem a sua própria forma de pontes-vivas.
Estas são as pontes da Vinha Vale de Iya .....




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Um dos três "vales escondidos do Japão" ,
West Iya, é um desfiladeiro cheio de neblina, rios claros e telhados de colmo,
do Japão de séculos atrás.

Para atravessar o rio Iya, num vale com terreno áspero,
bandidos, guerreiros e refugiados criou-se algo muito especial
- um tanto instável - a ponte feita de vinhas.



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Este é um quadro de 1880 de uma das pontes de videira original.
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Primeiro, duas vinhas Wisteria - uma das mais fortes vinhas conhecidas –
foram cultivadas nos extremos dos dois lados do rio.
Quando as videiras alcançaram comprimento suficiente,
foram entrelaçadas com tábuas para criar uma flexível, durável e,
a mais importante obra viva da engenharia de botânica.



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As pontes não tinham proteção lateral, e uma fonte histórica japonesa diz que as pontes de videira originais eram tão instáveis que os que tentavam atravessá-las pela primeira vez, muitas vezes ficavam petrificados no lugar, incapazes de prosseguir.
Três dessas pontes permanecem no Vale de Iya.


Enquanto algumas (embora aparentemente não todas) foram reforçadas com fio e grades, ainda são angustiantes de atravessar.

Mais de 140 metros de comprimento, com pranchas colocadas a cerca de 30 a 40 cm de distância entre si.... definitivamente não são para acrofóbicos.



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Acredita-se que as pontes de videira existentes
foram inicialmente cultivadas no século 12,
o que as tornaria, nos mais antigos exemplos de arquitetura viva no mundo.






IV
Zaratustra, no entanto, olhava a multidão, e assombrava−se.
Depois falava assim:

"O homem é corda estendida entre o animal e o Super−homem:
uma corda sobre um abismo; perigosa travessia,
perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.

O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim;
o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento.

Eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo,
porque são esses os que atravessam de um para outro lado.
...
Amo os que não procuram por detrás das estrelas uma razão para sucumbir e
oferecer−se em sacrifício, mas se sacrificam pela terra, para que a terra
pertença um dia ao Super−homem.
...
Amo o que se envergonha de ver cair o dado a seu favor e, por essa razão, se
pergunta:
"Serei um jogador fraudulento?", porque quer ir ao fundo.
...
Amo aquele cuja alma é profunda, mesmo na ferida,
e ao que pode aniquilar um leve acidente,
porque assim de bom grado passará a ponte...”


Friedrich Nietzsche - Assim Falou Zaratustra

sexta-feira, 10 de maio de 2013

LIVROS DIDÁTICOS CATÓLICOS: O ENSINO RELIGIOSO E A DISCRIMINAÇÃO DE RELIGIÕES AFRO-DESCENDENTES


GUEDES, Maristela Gomes de Souza – PUC-Rio
GT-12: Currículo
Agência Financiadora: CAPES

1 - Introdução: mais um desafio

O diálogo que tento fazer através desse texto é sobre mais um desafio, além dos muitos com os quais já lidam professores e professoras em todo país. Mas penso no tema desta 31ª Reunião da ANPED “Constituição Brasileira, Direitos Humanos e Educação” e me animo a fazê-lo.

Em agosto de 2007, foram lançamentos os livros católicos: “As Obras de Deus
Criador” e “O fato Cristão”. A organização é da Arquidiocese do Rio de Janeiro, a
coordenação geral é de Dom Filippo Santoro e a publicação é da Editora Vozes com colaboração da entidade alemã Adveniat-Essen. Segundo Dom Filippo, os livros foram produzidos de acordo com os pressupostos fundamentais da Arquidiocese. Em uma revisão detalhada do material, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eusébio Oscar Scheid, assegurou que o conteúdo é compatível com as diretrizes da Igreja da cidade. Logo depois foram lançados “A Igreja de Cristo” e “Os sinais do Espírito”.

Nenhum problema, não fossem essas publicações Livros Didáticos Católicos de
Ensino Religioso Confessional. Os dois primeiros destinados ao 1º e 2º ano e os dois últimos, ao 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. Na ocasião, em artigo publicado no Jornal O Testemunho de Fé, Dom Filippo, que é Bispo da Educação e do Ensino Religioso, afirmava que “os livros estão sendo muito apreciados também fora do Estado do Rio, por sua simplicidade e seu conteúdo bonito”. Pudera, o principal ilustrador dos livros é o famoso cartunista Ziraldo.

Os livros surgiram pela brecha aberta através da lei estadual 3.459/2000, que
regulamentou o Ensino Religioso como confessional, nas escolas do Rio de Janeiro.  

As obras desrespeitam a Constituição, 
burlam a própria lei do Ensino Religioso, 
discriminam religiões afro-descendentes 
e representam um retrocesso em importantes
conquistas de educadores e educadoras preocupados (as) 
com a diversidade do país

Por onde quer que se olhe a situação é absurda, mas vamos por partes e sem nenhuma pretensão de esgotar aqui o assunto.

2 - Discriminação e retrocesso
Logo no começo dos quatro volumes estão as “saudações cordiais” assinadas por Dom Eusébio Scheid. A primeira, destinada às crianças (católicas evidentemente porque o livro é para católicos), diz: “Queridas crianças, prediletas de Jesus, esse livro se dedica com carinho e amor só a vocês... que bem merecem essa dedicação de desenhistas, escritores e do professorado”. 

Aqui, estão excluídas da “predileção de Jesus e do professorado”, todas as outras crianças não-católicas, inclusive as evangélicas, as kardecistas e mesmo algumas de religiões afro-descendentes que podem, dependendo de sua casa de santo, tanto amar Iansã, orixá do vento, como Jesus, filho de Deus. Está aí a
famosa Mãe-de-santo Beata de Yemonjá que não me deixará mentir. Já na saudação dirigida aos pais, o ataque vai na direção das famílias que não se encaixam no modelo cristão. “Uma família em que o nome de Deus não é invocado ou, nem mesmo citado, é uma família sem perspectivas de esperanças perenes e duradouras”.
 
Há famílias que passam o dia a repetir “Xangô meu pai”, “Ogum meu pai” e outras tantas para quem nenhum Deus, santo ou orixá fazem o menor sentido. Para essas não há perspectivas e esperanças de qualquer tipo?

O problema não se limita ao campo religioso. Na página 15 do volume “As
obras de Deus Criador” a discussão sobre a família continua, representada pela seguinte ilustração: uma família, branca, o pai vestido para o trabalho e a mãe para uma festa com maquiagem e colar de pérolas, impecáveis. Todos, inclusive o cachorro, possuem um computador e um sorriso igual. Que família de escola pública se parece com esse comercial de margarina? E mesmo fora da escola pública? Na página 17 está escrito que “o mês de maio é dedicado a Nossa Senhora, para celebrar o modelo ideal de mãe: a mãe que é dedicada à família e que está próxima dos seus filhos em todos os momentos”.

Não são ideais, portanto, as mães que trabalham, estudam e que, ainda assim,
cuidam da família e que, justamente por tudo isso, possuem tantas jornadas de trabalho.

Há quanto tempo professores e professoras se esforçam para que as representações de famílias nos livros didáticos contemplem a diversidade das famílias brasileiras? Mães e pais separados, famílias negras (onde o negro não esteja em papel subalterno), casamentos inter-raciais, mães que trabalham e que dividem o sustento da casa com o marido ou, ainda, mães que sustentam os filhos sozinhas ou pais que também fazem esse papel sozinhos. A visão de família apresentada nos livros católicos não contribui para nenhum dos avanços ainda necessários nesta área, pelo contrário, significa um grave retrocesso.


3 - Desrespeito ao povo-de-santo
Na página 56, do volume “A Igreja de Cristo”, destinado ao 5º ano do ensino
fundamental, há uma afronta declarada aos praticantes de religiões afro-descendentes.

Diz o texto: “A umbanda não faz uso de sacrifícios de animais em seus rituais, porque respeita a vida e a natureza”. A afirmação, além de equivocada, discrimina. Quem diz porque é o presidente da Associação Brasileira dos Templos de Umbanda e Candomblé, Pai Guimarães de Ogum: “A Igreja católica possui carismáticos e progressistas, cada um com suas particularidades, mas publicamente, todos se assumem como católicos. A umbanda também tem vertentes, cada uma com suas características próprias. A umbanda é uma religião brasileira que mistura pajelança, candomblé, kardecismo, catolicismo, xamanismo, orientalismo cigano. Cada casa vai desenvolver uma linha mais de acordo com seu dirigente, mas todas são umbanda. Nas mais próximas ao
candomblé haverá a oferta de animais. A identidade umbandística não é definida por se fazer ou não essas oferendas, mas pela relação com as entidades e com o divino. A igreja católica, na hora da comunhão, oferece uma hóstia, para ela sagrada, mas que para nós, pode não passar de uma simples folha de papel. Na nossa comunhão oferecemos o animal. As partes que não podemos comer vão para os despachos, a que comemos alimenta o corpo e o espírito da comunidade porque é uma carne que foi vibrada com a energia, é o ageum, o alimento consagrado pelos orixás”, revela o umbandista.

Para ele, as religiões afro cometeram durante vários anos um erro anti-ecológico por conta dos resíduos dos despachos que permanecem na natureza, mas o livro despreza o esforço que estas religiões já fazem para mudar esse aspecto do culto.

Guimarães também discorda do Ensino Religioso nas escolas públicas. “O estado é  laico. E, se alguém tinha de escrever sobre a umbanda, nós deveríamos fazer isso e não os padres. Além disso, tudo não passa de uma grande hipocrisia.

Quase todo mundo come churrasco, inclusive católicos então isso não é sacrifício? Pelo menos nós rezamos antes de comer”, afirma. Se não há uma única posição sobre esse ritual nos terreiros de umbanda, ao optar por uma das vertentes e criticá-la, o livro discrimina as outras posições da umbanda e, mais abertamente ainda, o candomblé do qual o ritual das oferendas de animais é parte integrante.


4 - Planejamento inclui missa nas escolas
Em todas os volumes, logo após as saudações há o espaço denominado “caro
professor”. São 11 itens que definem um calendário de atividades e conteúdos para o professor de Ensino Religioso. Em maio de 2007, quando o Papa Bento XVI esteve por aqui, os principais jornais do país, divulgaram a tentativa do pontífice em fechar um acordo (o termo oficial é Concordata) entre o Brasil e o Vaticano para regulamentar os direitos da Igreja no país, que já vem sendo negociado há algum tempo e contempla o patrimônio, o ensino e a formação religiosos. Os jornais divulgaram a firmeza do presidente Lula, que não assinou o acordo por defender o Estado laico, e a frustração de Bento XVI que este teria voltado à Roma prometendo insistir no assunto.

A Constituição brasileira garante a liberdade de crença e separa Estado e Igreja,
mas prevê o ensino religioso no país, o que é uma gritante contradição. Ainda assim, apesar de modificado, o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assegura a diversidade religiosa e proíbe qualquer forma de proselitismo, que, segundo o dicionário Houaiss é “atividade ou esforço de fazer prosélitos (convertidos), catequese, apostolado”. O parágrafo segundo desse artigo diz que os sistemas de ensino ouvirão as entidades religiosas para a definição do conteúdo da disciplina Ensino Religioso. Ora, o governo do Estado do Rio não se limitou a ouvir a Arquidiocese, mas simplesmente conferiu a esta ampla e total autonomia para confeccionar seu próprio e exclusivo material didático. Não é à toa que o planejamento em questão prevê, entre outras coisas, missa de Pentencostes nas escolas e aulas sobre a campanha da fraternidade.

Trata-se de uma vitória política retumbante da Igreja Católica. Para quem ainda
não entendeu a dimensão da coisa, é preciso dizer que o tema da Campanha da
Fraternidade deste ano é: “Fraternidade e Defesa da Vida”, e o lema “Escolhe, pois, a vida”. Genérico? Pelo contrário. Em sua mensagem dirigida à CNBB por ocasião do lançamento da Campanha deste ano, o papa Bento XVI afirmou que “todas as ameaças à vida devem ser combatidas”. “Renovo a esperança de que as diversas instâncias da sociedade civil queiram solidarizar-se com a vontade popular que, na sua maioria, rejeita todas as formas contrárias às exigências éticas de justiça e de respeito pela vida humana desde seu início até o seu fim natural”, disse o pontífice. Ainda não está claro?

Talvez Dom Jacyr Francisco Braido, bispo de Santos, seja mais contundente: “A escolha do tema deste ano é a expressão da preocupação com a vida humana, ameaçada desde o início pelo aborto até sua consumação com a eutanásia.

Tema preciso e desafiador!
Somos colocados diante de uma escolha entre a morte (aborto e eutanásia) e a vida”.
(www.cnbb.org.br consultada no dia 10/4/2008, às 20h27min).

O acordo pretendido entre a Santa Sé e o Brasil, apesar de divulgado pelos
jornais, mantém a totalidade de seu conteúdo em sigilo até que haja consenso entre as partes. Pelo que foi divulgado e, como a oferta do Ensino Religioso no Brasil já é obrigatória por lei, podemos concluir que, mesmo esse equívoco na nossa lei não basta para o Vaticano. Seu desejo é aprofundar o nosso erro, garantir a exclusividade total do ensino católico e retirar a possibilidade de opção do aluno. Como disse, os jornais alardearam a frustração do Papa e a defesa intransigente de Lula da separação Igreja-Estado. Para mim, tudo não passou de encenação. Enquanto a imprensa divulga que o Brasil continua laico, no Rio de Janeiro, os mais caros princípios católicos estão impressos em caríssimo papel couché, belamente ilustrados e distribuídos nas escolas
públicas. Não estranhemos se os próximos volumes desses livros didáticos condenarem os métodos contraceptivos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a pesquisa com embriões humanos, o divórcio. Tudo isso faz parte da Agenda do Vaticano. Não mencionei a eutanásia porque o volume “Os sinais do Espírito”, no capítulo “Um jeito novo de ser responsável na Igreja”, lemos: “Escolha candidatos competentes que tenham boa conduta pessoal e sejam coerentes. É indispensável, ainda, que sejam comprometidos com a ética social, com os valores cristãos, com o resgate das dívidas sociais e com as posições defendidas pela Igreja, tais como: o ensino religioso nas escolas, a condenação do aborto, dos jogos de azar, a eutanásia, etc.” 

E pensar que, ainda em sua visita ao Brasil, Bento XVI pediu que a Igreja ficasse longe da política.

Percebe-se que a restrição diz respeito apenas aos setores progressistas da política porque política conservadora pode. O Estado do Rio de Janeiro é uma paróquia do Vaticano.


4. 1 - Diversidade continua como exceção
Que a maioria das escolas públicas do Estado se pareça com igrejas não chega a
ser novidade. Em quase todas, os cartazes das Campanhas da Fraternidade já
freqüentavam as paredes. Para Forquin (1993), a escola é também um “mundo social”, que tem suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos. Esta realidade constitui para ele a “cultura da escola”. Antes da aprovação da lei do ensino religioso, a hegemonia do catolicismo já estava entranhada na “cultura da escola”. As celebrações são cristãs, em geral, Páscoa e Natal e, já deixou de ser incomum, que o “Pai Nosso” seja rezado nos inícios de turnos. Forquin
também trabalha com o conceito de “cultura escolar”, ou seja, o conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos que, “selecionados, organizados, normalizados, rotinizados, sob o efeito dos imperativos de didatização constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas”. (Forquin, 1993, 167).

Depois do ensino confessional, cimentada nas grades curriculares das escolas da
rede pública do Rio de Janeiro, a educação religiosa (agora a católica e a evangélica) é reforçada e legitimada também no que Forquin chama de “cultura escolar”. Mas a hegemonia da primeira não chega a ser ameaçada. No calendário previsto pelos novos livros didáticos todos os marcam festividades católicas sendo que, para caracterizar o que a Igreja chama de “diálogo inter-religioso”, no mês de abril também se comemora o dia do Índio; em setembro, o ano novo judeu e, em novembro, claro, Zumbi dos Palmares. Tirando a comemoração judaica, as outras duas já existiam. A novidade é o aumento significativo das festas católicas. Para se ter uma idéia, em junho vai se comemorar o Dia do Papa e, em agosto, o Dia do Pároco. Não é à toa que muitas crianças de religião afro-descendentes são discriminadas. Nos terreiros, elas sentem orgulho de suas crenças, na escola, escondem colares, guias e chegam a dizer que são católicas para diminuir o sofrimento. Em que escola irá se comemorar o Dia do Pai-desanto e da Mãe-de-santo, por exemplo?


5 - Essa disputa política não começou agora
O problema com o ensino religioso nas escolas é antigo e não apenas nosso.
Mas, no Brasil, ele começa com a chegada dos jesuítas ao país em 1549, marcando o início da escolarização brasileira com objetivos colonizadores e de catequese. O domínio dos jesuítas na educação vai durar 210 anos até que, expulsos das colônias portuguesas, o que sobra de ensino no Brasil continua sendo oferecido por outras ordens religiosas. A proclamação da República, em 1889, separa Estado e Igreja Católica, mas só com a Constituição de 1891 haverá a garantia do ensino laico nas escolas públicas e o Ensino Religioso sairá de cena, mas por apenas quatro décadas. Afinal, a mobilização e pressão da Igreja Católica jamais cessariam, o que lhe vem garantindo, desde então,
sucessivas vitórias políticas sobre os setores laicos da educação.


Em 1931, ano da inauguração da estátua do Cristo Redentor (Cunha, 2007), o
Decreto 19.941 facultou a oferta da “instrução religiosa” nas escolas públicas, sendo necessários 20 alunos inscritos e fora do horário das aulas das disciplinas.

Contudo, a Constituição de 1934 garante o status de “matéria” inserida na grade curricular e torna sua oferta obrigatória, ainda que facultativa. Na Constituição de 37 há um pequeno recuo. A obrigatoriedade do Ensino Religioso é substituída pela “possibilidade” e, conforme explica Cunha, a cláusula de dispensa é melhor definida. A Constituição de 46 devolve a obrigatoriedade ao Ensino Religioso, ainda facultativo e, dessa vez, de acordo com a confissão religiosa do aluno. Já em plena Ditadura Militar, a Constituição de 67 garante o Ensino Religioso como disciplina dos horários normais das escolas oficiais do ensino primário e médio, mas conforme artigo da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) de 61, os ônus para os cofres públicos continuam vedados, o que duraria até a LDB de 1971, que revogou este artigo. Foi graças e essa revogação e a pressão dos dirigentes católicos que professores do magistério público de outras disciplinas foram desviados para o Ensino Religioso.


5.1 - As derrotas mais recentes
Da Constituição de 1988 os setores laicos da educação já saíram derrotados
porque a lei manteve o caráter obrigatório para a oferta do Ensino Religioso nos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Minimizando o dano, a LDB de 1996 reincorpora o dispositivo “sem ônus para os cofres públicos”, mas o lobby da Igreja Católica não deixaria por menos e tornaria a derrota ainda pior. É justamente nesse momento que o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper), uma organização composta por cristãos de diversas origens é criado. O então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, propôs alterar a LDB já no momento de sua promulgação e três novos projetos foram propostos, sendo aprovado o do deputado Padre Roque (PT-PR). Tramitando evidentemente em regime de urgência, o projeto
resulta na Lei n. 9475, de 22 de julho de 1997. A LDB é modificada e o Ensino
Religioso é considerado “parte integrante da formação básica do cidadão”. A restrição aos gastos públicos com o Ensino Religioso desaparece e caberá aos estados regulamentarem os procedimentos para definir o conteúdo dessas disciplinas, bem como a forma de selecionar e contratar seus professores.

Estava aberto o caminho para cada  um fazer o que quiser, como bem entender e, por que não, como bem mandar a fé de governos, professores e diretores de escolas?


5. 2 - O obscurantismo do Rio
Presbiterianos e eleitos com largo apoio das igrejas evangélicas, o “casal
Garotinho” não desperdiçou a chance de evangelizar o Estado. Em setembro de 2000, o marido sanciona a Lei 3.459, do ex-deputado católico Carlos Dias (PP-RJ) que estabelece o ensino religioso confessional na rede estadual. Em 2003, a Assembléia Legislativa do Rio tenta modificar a Lei dizendo que ela terá caráter histórico, sem diferenciação de credos. A esposa, já governadora, veta este artigo da proposta e, em janeiro do ano seguinte, realiza o concurso público onde foram aprovados 1299 professores de ensino religioso. O concurso oferecia 500 vagas, todas preenchidas.

Esses professores se somaram aos 364 professores que, amparados pelo Decreto 31086 de 2002, do marido, já haviam sido desviados de outras disciplinas e lecionavam educação religiosa. Em março do mesmo ano, a ALERJ ratifica o veto de Rosinha e o ensino confessional está consumado.

Entrevistei a coordenadora de Ensino Religioso do Rio de Janeiro, Valéria
Gomes, nomeada pela Cúria Diocesana do Rio. De acordo com ela, dos professores aprovados, 68,2% ministra aulas da religião católica. Em seguida vem os evangélicos (26,31%) e os de “outras religiões” (5,26%). Segundo a coordenadora, nesses 5% de outras religiões estão a umbanda (com 5 professores contratados), o espiritismo, segundo Alan Kardek (com 3 professores contratados), Igreja Messiânica (com 3 professores contratados) e Mórmons (com 1 professor contratado). A coordenadora informou ainda que essa divisão foi realizada com base em pesquisa feita em 2001, na rede pública de ensino estadual, que teria revelado que havia 65% de alunos católicos,
25% evangélicos, 5% de outras religiões e 5% sem credo.

Para explicar porque o candomblé ficou de fora, a coordenadora resumiu: “Não
temos registro na pesquisa realizada em 2001 de alunos que praticam candomblé”.

Perguntei se ela tinha conhecimento de que, historicamente, muitas pessoas que cultuam o candomblé omitem sua opção religiosa por medo de serem discriminadas. A coordenadora disse que sim, mas que era difícil mudar essa realidade. Gomes afirmava, contudo, que “não haveria proselitismo”. Outras entrevistas com professores de Ensino Religioso, com diretores de escola e com alunos de candomblé, além de observações em escolas revelariam o contrário.


 
6 - Quem são os meus amigos?
Esta pergunta começa a ser feita na página 32, do volume “O fato Cristão”. Nela
está escrito que existem vários nomes, mas um só Deus, como Olorum, para os afrodescendentes.

Não há problema para a Igreja católica a forma como as religiões nomeiam Deus, isso está claro. Mas as diferenças entre os credos não se limitam ao
nome que conferem ao divino. É evidente que essas concessões feitas pelo material didático buscam somente uma aparência “politicamente correta” e “superficialmente inclusiva e tolerante”. Não fosse isso, os ritos de oferendas de animais praticados pelos candomblecistas não seriam criticados como “práticas que não respeitam a vida”, como já foi mencionado. Esse é um exemplo de limite para o conceito de tolerância. O que é hegemônico aceita apenas e só apenas o que não lhe afeta tanto, o que afinal, não é “tão diferente” assim.

Uma das professoras católicas entrevistadas, referindo-se a seus alunos, me disse uma vez: “A maioria é católica e evangélica, os de candomblé ou não existem ou são bem poucos e temos que ser tolerantes, não há o que fazer.”

Essa fala me leva a um caminho tortuoso. Contudo, é preciso enfrentar essa discussão sem pretender esgotá-la nos limites desse trabalho. O conceito de tolerância é um daqueles que me parece duplo, do tipo xipófago, ou seja, nunca consegui dizê-lo sem dizê-lo grudado no conceito de poder. Dentro das margens do que me proponho discutir aqui, ficarei apenas com Skliar (2003) e com o que ele traz de Bauman (1996).

De acordo com Skliar, a tolerância é uma voz, entre outras, que ressoa com
particular reverberação na retórica e na gramaticalidade do espaço multicultural.

“Tolerar o outro, tolerar o que é o outro, tolerar a diversidade, tolerar a diferença; fazer da tolerância um princípio indesculpável, uma fonte de conhecimento, um lugar de comunicação. Então: voltemos a olhar bem a gramática/retórica da tolerância”.

(Skliar, 2003:131). Este autor insiste que a essência da vida moderna constitui um esforço para exterminar a ambivalência, isto é, uma intenção voraz por definir com a máxima precisão e para eliminar toda ambigüidade.

E é justamente por essa razão que a intolerância acaba sendo uma inclinação natural (1) da modernidade, pois a construção da ordem estabelece limites para a incorporação e para a admissão de qualquer entidade, de qualquer sujeito, de qualquer alteridade, de qualquer outro. Permanece sempre a vontade de acabar com a ambigüidade e, portanto, de manter a intolerância, inclusive quando ela se esconde sob a máscara da tolerância. Uma máscara que, como diz Bauman (1996,p.82), pode ser assim mais bem expressa: você é detestável, mas eu, sendo generoso, vou permitir que continue vivendo. (op.cit,132).

1 Eu apenas trocaria “natural” por “social” posto que as intolerâncias são construídas socialmente a partir das contradições de classe e cultura.


Para Skliar, ao se compreender a tolerância como uma virtude natural ou
como uma utopia incontestável, ignora-se também a relação de poder que lhe dá razão e sustento. E, de novo, cita Bauman:

"A tolerância não inclui a aceitação do valor do outro; 
pelo contrário, é uma vez mais, talvez de maneira mais sutil e subterrânea, a forma de reafirmar a inferioridade do outro e serve de ante-sala para a intenção de acabar com sua especificidade – junto ao convite ao outro para cooperar na consumação do inevitável. A tão aclamada humanidade dos sistemas políticos tolerantes não vai além de consentir a demora do conflito final." (apud. Skliar, 2003:133).


O conflito final citado por Bauman é entendido por Skliar como acabar com a
especificidade do outro e torná-lo cúmplice de seu aniquilamento. “A inevitabilidade da mesmidade do outro, do outro como o mesmo. Sua inferioridade. O outro como um suspenso adiável. Seu mistério alienado pela tolerância. Reduzido pela tolerância. Apagado pela tolerância”. (op.cit.133).




6. 1 - Aliança católica-evangélica
Voltando a pergunta “Quem são os meus amigos”? iniciada na página 32 de “O
fato Cristão”. Ali, a resposta vai rapidamente “tolerar” o “outro” que nomeia o mesmo Deus de forma diferente: “Tantos povos e um só Deus. Tantos nomes, mas um só Deus.

Os hebreus o chamam Adonai; os mulçumanos, de Alá; os índios guaranis, de
Nhanderu; os afro-brasileiros de Olorum”, mas fica por aqui o “Diálogo de Esperança”, que dá título a esse capítulo do material analisado. Rapidamente o livro abandona esses “outros” e, ao falar da “Consciência de que somos todos irmãos”, vai dizer: “Os cristãos, católicos, protestantes e ortodoxos, anunciam ao mundo o amor de Cristo, o Filho de Deus. Nossa missão de trabalhar unidos por um mundo melhor, mais justo e fraterno, vai enfim construir a paz.” (pg.36). Fica evidente que a “consciência fraterna” deixa de fora os que nomeiam Deus de forma diferente e, da mesma forma que não insere esses “diferentes” no trabalho de construção de um mundo melhor.

Podemos resumir assim: o material didático católico torna cúmplices os
“diferentes”, ao mencioná-los na página 32, tolerando que chamem Deus de forma diversa (desde que seja o mesmo Deus único), depois pode anulá-los na página 36 onde desaparecem e sequer são mencionados como irmãos, para, enfim, aniquilá-los na página 38 conclamando: “Todos os povos louvem o Senhor”. Como se “todos os povos”, tivessem o “mesmo Senhor”, ou “algum Senhor”.

Ressalto, ainda, que nas páginas 38 e 39 existe uma belíssima ilustração do
Cristo Redentor. Em seu braço direito foram desenhados cinco meninos de cores e raças diferentes representando, evidentemente, a pluralidade da sociedade brasileira. Presente, o negro serve para “simular” uma democracia racial, inexistente em nosso país. De novo: aqui só importa assegurar a “aparência politicamente correta”. Mesmo que o desenho seja de um menino negro, este está inserido em situações que desprezam que o candomblé, por exemplo, seja uma parte fundamental das culturas afro-descendentes. O desenho de um menino negro serve para reforçar a dominação branca.

Além disso, em centenas de ilustrações dos quatro volumes analisados, em
apenas um deles (A Igreja de Cristo) existem raros desenhos de negros em situações concretas. Na página 46, há um menino negro desenhado ao lado de uma menina e outro menino brancos recebendo aulas de um professor branco e louro. Na página 75, um casal inter-racial batiza seu filho. Na página 80, mulheres e crianças negras em situação cotidiana sim. Mas como? Em uma ilustração que parece representar uma comunidade pobre, ao fundo, uma mulher negra carrega uma lata de água na cabeça e outra, com o filho nos braços, e reunida com crianças negras, ouve Jesus falar. Ou seja, para
representar o professor, o desenho é de um homem branco e louro, para carregar a lata de água na comunidade, a mulher negra. Os velhos preconceitos dos livros didáticos denunciados e combatidos por tantos professores e professoras preocupados com essa questão são mais uma vez reforçados. Sem falar que onde aparecem representados em situação de fé, nenhum traço das religiões afro-descendentes, apenas do catolicismo.Enfim, as ilustrações reforçam o que diz a página 36 deste volume: “Todos os povos louvem o Senhor”. Para serem tolerados e inseridos todos devem obedecer as regras da subalternidade e da fé católica.

Assim, os livros didáticos católicos vão reforçar e continuar a aliança entre
católicos e evangélicos que já vem sendo estabelecida na prática cotidiana da sala de aula do Ensino Religioso. Para não termos dúvida, voltemos para mais duas entrevistas com professoras desta disciplina. Uma professora católica diz como seleciona conteúdos: “Uso textos do Padre Marcelo Rossi e também a bíblia, selecionando os trechos comuns a católicos e evangélicos”.

Já uma outra educadora evangélica afirma:
“No ano passado eu tinha uns 8 alunos que eram ogans, que se convenceram que estavam errados e hoje são cristãos. Quando somos tolerantes eles acabam entendendo que estão errados.”

A “cooperação” entre católicos e evangélicos também pode ser notada na própria Coordenação de Ensino Religioso, órgão da Secretaria Estadual de Educação. Lá, apenas católicos e evangélicos possuem representação em Departamentos. A chefia da Coordenação é católica e nomeada pela Arquidiocese, que também nomeia a diretora do Departamento de Ensino Religioso Católico. Já a diretora do Departamento de Ensino Religioso Evangélico é nomeada pela Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil. Por telefone, a diretora desse último, que preferiu se identificar apenas por Vera Lúcia disse:
“Nós não temos ainda nosso próprio material específico didático. Por enquanto,
usamos os livros que foram cedidos pela Sociedade Bíblica do Rio de Janeiro. Fizemos um levantamento de seus livros didáticos e escolhemos os que tinham a ver com nosso plano básico. Trabalhamos de maneira amigável com os católicos”. Perguntei a ela porque as outras religiões não estavam representadas em departamentos e a diretora respondeu: “Não, aqui, só os nossos”.

Vamos deixar um pouco os livros didáticos e os textos de nossos teóricos e ler,
juntos, uma notícia da página 11, do Caderno O País, do Jornal O Globo, desse domingo calorento demais que foi o 13 de abril de 2008:

“O senador,“ex-bispo” da Igreja Universal do Reino de Deus e pré-candidato do PRB à Prefeitura do Rio, Marcelo Crivella, anda circulando com desenvoltura em
ambientes que vão dos salões da Arquidiocese do Estado do Rio às quadras das
escolas de samba”(...) Há 15 dias, Crivella participou de uma reunião plenária da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. (...) Como evangélico, Crivella continua frequentando os cultos da Igreja Universal e discursando nos púlpitos. Mas, como pré-candidato, também tem procurado outras religiões: já teve pelo menos um encontro com o arcebispo emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugenio Sales. Ainda para tentar atrair os católicos, deve sacramentar a aliança com o PTB, que apresenta como candidato a vice o ex-deputado estadual Carlos Dias, ligado ao movimento carismático da Igreja Católica”.

Ora, se não é o mesmo Carlos Dias, autor da Lei do Ensino Religioso Confessional aprovada no Rio. A escola é, de fato, um mundo social e para
compreender as alianças táticas em seu interior é preciso olhar para além de seus muros e ver como essas alianças estão articuladas para objetivos estratégicos fora e dentro dela.


7 – Bolinhos de chuva e a construção do conhecimento
Quando eu era criança uma das coisas que mais gostava de fazer era observar
minha avó na cozinha. Até hoje, este é um dos lugares preferidos de minhas lembranças.

Eu chegava da escola, almoçava, ajudava com a louça e sentava na enorme bancada de mármore da pia para vê-la preparar alguma delícia para o lanche das tardes. Ali eu ouvia da família que ficara na Itália, de cinema, de canções e histórias que ela gostava. Certa tarde, a guloseima da vez eram seus famosos bolinhos de chuva. Como sempre, dona Maria misturava o leite morno à farinha e eu, que já reivindicava há tempos ajudar, pedi para quebrar os ovos. Foi quando ela me disse: “Isso não é assim não filhinha! Isso tem C I Ê N C I A!” Dali para frente não mudaria. Toda vez que minha avó queria dizer que
algo pedia uma metodologia mais complexa e algum experimento prático cujo resultado exigisse comprovação, ela empostaria a voz e repetiria a frase “Isso tem C I Ê N C I A”, com as sílabas bem separadas.

Naquela mesma bancada, minha avó que era muito católica, já tinha me dito
havia algum tempo que, para acreditar que um dia eu conheceria sua mãe, minha bisavó, no céu, era preciso ter FÉ. “Tem coisa filhinha, que só tendo muita FÉ!”. Já FÉ, ela pronunciava num monossílabo forte, definitivo e encerrado. Então, foi na cozinha de minha avó que comecei a aprender que havia campos diferentes de saber e modos diferentes de perceber, conhecer e interpretar a vida. Alguns diriam respeito à ciência, outros, à fé. Aos poucos as coisas que precisavam ficar mais claras sobre a ciência ficaram mais claras na escola, com tudo o que o mundo da escola trazia: professores, professoras, colegas, livros, cinema. E, as que precisavam ficar mais claras sobre a fé
ficaram mais claras na igreja, que eu também freqüentava desde pequena, e com tudo o que o mundo da Igreja significava: padres, freiras, colegas, catequese, missas, livros, grupo jovem, cinema.

Alguns amigos e amigas trilharam semelhante caminho e, em algum ponto,
tomamos diferentes direções. No meu caso, deixei de ter fé e abandonei a religião.

Julguei que, por mais que a ciência e os cientistas não tivessem e não tenham todas as respostas para todas as questões sobre o universo, não significava e nem significa que existisse uma força divina e, portanto, sobrenatural por traz dessas lacunas. Mesmo que não venhamos a conhecer tudo em nossa limitada e curta história da humanidade.

Outros seguem acreditando e conciliando ciência e fé num equilíbrio que confere
sentido à suas vidas. A minha, que, para mim, não concilia, também é plena de sentido.

Olhando para trás percebo que um elemento foi fundamental nas minhas opções
de vida: a escola me garantiu autonomia de pensamento. A mesma autonomia que fez com que diversos colegas de escola mantivessem sua fé em diferentes modos de expressar e viver a religiosidade.

Para a minha avó, a ciência organizava uma certa maneira de pensar e fazer
certas coisas que ia garantir, numa significativa quantidade de vezes, que, misturados os ingredientes tais e de uma maneira específica, seus bolinhos de chuva saíssem daquela forma e não de outra. É claro que, como toda ciência séria, é preciso considerar as variáveis e as famosas circunstâncias. Os modos como farinhas são produzidas, vendidas e armazenadas, o estado dos ovos e mesmo as motivações e o estado de espírito da minha avó. Isso serve tanto para os bolinhos de chuva, como para os cientistas e a clonagem, a engenharia genética, as investigações sobre o universo. Já o campo da fé organizaria e daria soluções para outras coisas importantes para ela. Por exemplo, a saudade que ela sentia de sua mãe.

O problema é quando, na escola, se mistura uma coisa e outra. É misturar numa aula de ciências, bolinhos de chuva e vida após a morte. Para a primeira, ainda que com sabores ou recheios diferentes, haverá possibilidades de verificar a eficácia ou não de sua produção. Para a segunda, 50 alunos darão 158 respostas diferentes.

Definitivamente, a sala de aula não deve ser o espaço de legitimação de nenhuma delas e, para mim, por dois motivos. Primeiro, porque nenhuma das 158 respostas são comprovável, a não ser no espaço íntimo da fé de cada um.

Segundo, porque empoderando e legitimando uma, ou as semelhantes em aspectos fundamentais, outras tantas seriam excluídas e desempoderadas. E claro que 158 foi um chute.

Concordando com o físico brasileiro Marcelo Gleiser, também não acredito que
a função da ciência deva ser “tirar Deus das pessoas”. Para ele, muitos cientistas acreditam que o estudo da ciência serve para comprovar a beleza da criação, mas a religião não pode pretender ocupar o lugar da ciência.

Eu, que não mais acredito em um plano divino para o progresso da humanidade
e sim que a história se transforma em função dos conflitos econômicos e sociais(Marx, 2007), imagino apenas a seguinte situação: à noite, deitada com o meu amor, nas areias de uma praia, na Ilha Grande, olhamos o céu e suas incontáveis estrelas. Sei que para os candomblecistas, Ólorum criou tudo isso e para os católicos, o Deus dos católicos. Já para alguns cientistas o universo é tão perfeito que não há nada que um Deus possa fazer e outros dirão que justamente essa perfeição revela a existência de Deus. De minha parte, só acho um privilégio danado poder apreciar essa beleza imensa. Seja quem ou o que for que a tenha criado ou que, como penso, ela simplesmente tenha surgido por pura sorte nossa.


8 – Devolver a laicidade do Estado e da escola
Considerações finais
Marcado pela desigualdade, pela ausência de projetos políticos transformadores
e pelo elevado índice de violência, o Estado do Rio se tornou ideal para, como vimos, propiciar a união do poder político e de fundamentalismos religiosos seja de evangélicos, neo-evangélicos ou católicos. Em 2004, Rosinha Garotinho definiu que o tema daquele ano para as aulas de religião na rede pública seria “criação” e que o criacionismo seria discutido nas escolas. Três anos depois, usando de seu poder econômico, a Igreja Católica lança seus livros didáticos onde o criacionismo é um dos carros-chefes. A escola, nesse momento, representa um mercado religioso a ser dividido e conquistado por esta aliança evangélico-católica que deixa de lado antigas divergências em benefício de interesses religiosos e políticos maiores. Os livros didáticos católicos, que trabalham temas comuns com os evangélicos, representam mais um componente nesta relação que vem se amalgamando.

Essa absurda realidade se tornou possível por dois motivos: a Igreja Católica, há mais tempo empenhada em manter sua hegemonia, nunca abriu mão de ver a escola pública como um lugar de catequese, por outro lado, os setores laicos da educação se retiraram da batalha, incluindo sindicatos e associações. Há algumas resistências importantes, como o Projeto de Lei número 1069/2007, de autoria do Deputado Estadual Marcelo Freixo que revoga a lei 3459/2000 e retira a confessionalidade do Ensino Religioso. Evidente está que não há pressa para sua tramitação. Como a obrigatoriedade do Ensino Religioso é uma Lei Federal, não pode ser extinta por uma lei estadual. Isso, no entanto, não deve ser o limite, nem o horizonte dessa disputa.

Logo depois de assumir, o ex-secretário de Educação do Rio, Nelson Maculan,
declarava aos jornais, no dia 13/4/2006, que pretendia acabar com o ensino religioso confessional e nunca mais tocou no assunto. Parece que o assunto também não existe para a nova secretária Tereza Porto. O silêncio interessa aos setores envolvidos na aliança católico-evangélica, que, devagar e em surdina conseguiu acabar com a laicidade do Estado do Rio. Aos professores e professoras que defendem que escola não é lugar de qualquer religião, nenhum silêncio interessa. O GT de currículo e o GT afrodescendente, em especial, precisam garantir essa discussão e denunciar, na ANPED e fora dela, o crime que o Estado do Rio comete.



Referências bibliográficas

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seminário internacional. In: Educação e Sociedade, 97. V.27 – set/dez-, São Paulo:
CEDES, 2006.
____________________, Sintonia Oscilante: Religião, Moral e Civismo no Brasil –
1931/1997. In: Cadernos de Pesquisa, maio/agosto. V.37,n.131, São Paulo: Autores
Associados, 2007.
ENGELS, Friedrich e MARX, Karl, A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo: 2007.
FORQUIN, Jean-Claude, Escola e Cultura – as bases sociais e epistemológicas do
conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
GLEISER, Marcelo, A Dança do Universo – dos Mitos de Criação ao Big-Bang. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997),
SANTORO, Dom Filippo (Coordd.Geral), As Obras de Deus Criador. Rio de Janeiro:
Vozes, 2007
__________________________________, A Igreja de Cristo. Rio de Janeiro: Vozes,
2007
__________________________________, O fato Cristão. Rio de Janeiro, Vozes: 2007
__________________________________, Os Sinais do Espírito. Rio de Janeiro:
Vozes, 2007
17
SKLIAR, Carlos, Pedagogia (improvável) da diferença – e se o outro não estivesse aí?
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
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