quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Igrejas gostariam que fosse crime tudo o que para elas é pecado

outubro de 2010

por Contardo Calligaris para Folha

paulopes


Em maio passado, durante uma visita ao santuário de Fátima, o papa Bento 16 declarou que o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo estão entre os mais "insidiosos e perigosos desafios ao bem comum".

Atualmente, quase todas as igrejas cristãs (curiosamente alinhadas com as posições do papa) negociam seu apoio aos candidatos à presidência cobrando posições contra a descriminalização do aborto e contra o casamento gay.

Em 2000, segundo o censo, havia, no Brasil, 125 milhões de católicos, 26 milhões de evangélicos e 12 milhões de sem religião. É lógico que os principais candidatos inventem jeitos de ficar, quanto mais possível, em cima do muro -tentando satisfazer o lobby cristão, mas sem alienar totalmente as simpatias de laicos, agnósticos e livres pensadores (minoritários, mas bastante presentes entre os formadores de opinião).

Adoraria que as campanhas eleitorais fossem mais corajosas, menos preocupadas em não contrariar quem pensa diferente do candidato. Adoraria também que soubéssemos votar sem exigir que nosso candidato pense exatamente como nós.

Voltemos à declaração do papa, que junta aborto e casamento gay numa mesma condenação e, claro, tenta pressionar os poderes públicos, mundo afora. Para ele, o que é pecado para a igreja deve ser também crime para o Estado.

No fundo, com poucas exceções, as igrejas almejam um Estado confessional, ou seja, querem que o Estado seja regido por leis conformes às normas da religião que elas professam. De novo, as igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado: o sonho escondido de qualquer Roma é Teerã ou a Cabul do Talibã.

Há práticas sexuais que você julga escandalosas? Está difícil reprimir sua própria conduta? Nenhum problema, a polícia dos costumes vigiará para que ninguém se dedique ao sexo oral, ao sexo anal ou a transar com camisinha.

Para se defender contra esse pesadelo (que, ele sim, é um "insidioso e perigoso desafio ao bem comum"), em princípio, o Estado laico evita conceber e promulgar leis só porque elas satisfariam os preceitos de uma confissão qualquer. As leis do Estado laico tentam valer por sua racionalidade própria, sem a ajuda de deus algum e de igreja alguma.

Por exemplo, é proibido roubar e matar, mas essa proibição não é justificada pelo fato de que essas condutas são estigmatizadas nas tábuas dos dez mandamentos bíblicos. Para proibir furtos e assassinatos, não é preciso recorrer a Deus, basta notar que esses atos limitam brutalmente a liberdade do outro (o assaltado ou o assassinado).

Agora, imaginemos que você se oponha ao casamento gay invocando a santidade do matrimônio. Se você acha que o casamento é um sacramento divino que só pode ser selado entre um homem e uma mulher, você tem sorte, pois vive numa democracia laica e sua liberdade é total: você poderá não se casar nunca com uma pessoa do mesmo sexo. Ou seja, você poderá manter quanto quiser a santidade e a sacramentalidade de SEU casamento.

Acha pouca coisa? Pense bem: você poderia ser cidadão de uma teocracia gay, na qual o Estado lhe imporia de casar com alguém do mesmo sexo.

Argumento bizarro? Nem tanto: quem ambiciona impor sua moral privada como legislação pública deveria sempre pensar seriamente na hipótese de a legislação pública ser moldada por uma outra moral privada, diferente da dele.

Sobre a dobradinha sugerida pela declaração do papa: talvez, para o pontífice, aborto e casamento gay sejam unidos na mesma condenação por serem ambos consequências da fraqueza da carne (que, obstinadamente, quer gozar sem se reproduzir).

Mas, numa perspectiva laica, a questão do aborto e de sua descriminalização não tem como ser resolvida pelas mesmas considerações que acabo de fazer para o casamento gay. Ou seja, não há como dizer: se você for contra, não faça, mas deixe abortar quem for a favor. Vou voltar ao assunto, apresentando alguns dilemas que talvez nos ajudem a pensar.


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Homofobia e homossexualidade


por Contardo Calligaris para Folha  




paulopes

Desde o fim do ano passado, em São Paulo, assistimos a uma série de ataques brutais contra homossexuais ou homens que seriam homossexuais aos olhos de seus agressores.

No fim de 2010, por decreto da Presidência da República, foi estabelecida a finalidade do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (parte da Secretaria de Direitos Humanos).

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como unidade familiar. Não me surpreende que uma explosão de homofobia aconteça logo agora, pois, em geral, o ódio discriminatório aumenta de maneira diretamente proporcional aos avanços da tolerância.

Funciona assim: quanto mais sou forçado a aceitar o outro como igual a mim, tanto mais, num âmago que mal reprimo, eu o odeio e quero acabar com ele. Mas por que eu preferiria que o outro se mantivesse diferente de mim? Por que não quero reconhecê-lo como igual? O termo de homofobia, inventado no fim dos 1960, designa, mais que um preconceito, uma reação emocional à presença de homossexuais (ou presumidos homossexuais), num leque que vai do desconforto à ansiedade, ao medo e, por fim, à raiva e à agressão.

Numa entrevista na "Trip" de outubro (http://migre.me/6563w), apresentei a explicação clássica da homofobia do ponto de vista da psicanálise: "Quando as minhas reações são excessivas, deslocadas e difíceis de serem justificadas é porque emanam de um conflito interno. Por que afinal me incomodaria meu vizinho ser homossexual e beijar outro homem na boca? De forma simples, o que acontece é: 'Estou com dificuldades de conter a minha própria homossexualidade, então acho mais fácil tentar reprimir a homossexualidade dos outros, ou seja, condená-la, persegui-la e reprimi-la, se possível até fisicamente, porque isso me ajuda a conter a minha'".

Exemplo: se eu sinto (e não quero sentir) atração por um colega de classe do mesmo sexo, o jeito, para me convencer que não sinto atração alguma, é chamar esse colega de veado, juntar um grupo que, como eu, odeie homossexuais e esperar o colega na saída da escola para enchê-lo de porradas.

Um amigo me perguntou se essa interpretação da homofobia não era sobretudo uma forma de vingança: você gosta de agredir homossexuais pelas ruas da cidade? Olhe o que isso significa: você mesmo é homossexual. Gostou? O amigo continuou: "Isso não é bonito demais para ser verdade?".

Pois bem, anos atrás, pesquisadores da Universidade da Georgia selecionaram 64 homens que (na escala Kinsey) se apresentavam como sendo exclusivamente heterossexuais. Todos foram testados por uma entrevista (clássica, o IHP) que estabelece o índice de homofobia, de 0 a 100. Com isso, foram compostos dois grupos: os não homofóbicos (IHP de 0 a 50) e os homofóbicos (IHP de 50 a 100).

Nota: chama-se pletismógrafo um instrumento com o qual se registram as modificações de tamanho de uma parte do corpo. Pois bem, todos vestiram um pletismógrafo peniano, graças ao qual qualquer ereção, até incipiente e mínima, seria medida e registrada. Depois disso, todos os 64 foram expostos a vídeos pornográficos de quatro minutos mostrando atividade sexual consensual entre adultos heterossexuais, homossexuais masculinos e homossexuais femininos.

À diferença do que aconteceu com o grupo de controle (ou seja, com os não homofóbicos), a maioria dos homofóbicos teve tumescência e ereção significativas diante dos vídeos de sexo entre homossexuais masculinos. Confirmando a interpretação da psicologia dinâmica: indivíduos homofóbicos demonstram excitação sexual diante de estímulos homossexuais.

Existe a possibilidade de que a excitação manifestada pelos homofóbicos seja efeito, por exemplo, de sua vontade de quebrar a cabeça dos protagonistas dos vídeos -existe, mas é remota (porque os 64 indivíduos da amostra passaram todos por um questionário que mede a agressividade, e ninguém se mostrou especialmente agressivo).

Para quem quiser conferir, a pesquisa, de Henry E. Adams e outros, foi publicada no "Journal of Abnormal Psychology" (1996, vol. 105, n.3), com o título "Is Homophobia Associated with Homosexual Arousal?" (a homofobia é associada à excitação homossexual?) e é acessível na internet: http://migre.me/656Z4.

Por que alguém desfila para pedir repressão para os outros?

 Contardo Calligaris para Folha

junho de 2011

 paulopes

 
Paulopes informa que reprodução deste texto só poderá ser feita com o CRÉDITO e LINK da origem.

Domingo passado, em São Paulo, foi o dia da Parada Gay.

Alguns criticam o caráter carnavalesco e caricatural do evento. Alexandre Vidal Porto, em artigo na Folha do próprio domingo, escreveu que, na luta pela aceitação pública, "é mais estratégico exibir a semelhança" do que as diferenças, pois a conduta e a aparência "ultrajantes" podem ter "efeito negativo" sobre o processo político que leva à igualdade dos homossexuais. Conclusão: "O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são seres humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão".

Entendo e discordo. Para ter proteção e respeito, nenhum cidadão deveria ser forçado a mostrar conformidade aos ideais estéticos, sexuais e religiosos dominantes. Se você precisa parecer "comum" para que seus direitos sejam respeitados, é que você está sendo discriminado: você não será estigmatizado, mas só à condição que você camufle sua diferença.

Importa, portanto, proteger os direitos dos que não são e não topam ser "comuns", aqueles cujos comportamentos "caricaturais" testam os limites da aceitação social.

Nos últimos anos, mundo afora, as Paradas Gays ganharam a adesão de milhões de heterossexuais porque elas são o protótipo da manifestação libertária: pessoas desfilando por sua própria liberdade, sem concessões estratégicas. É essa visão que atrai, suponho, as famílias que adotam a Parada Gay como programa de domingo. A "complicação" de ter que explicar às crianças a razão de homens se esfregarem meio pelados ou de mulheres se beijarem na boca é largamente compensada pela lição cívica: com o direito deles à diferença, o que está sendo reafirmado é o direito à diferença de cada um de nós.

O mesmo vale para a Marcha para Jesus, que foi na última quinta (23), também em São Paulo. Para muitos que desfilaram, imagino que a passeata por Jesus tenha sido um momento de afirmação positiva de seus valores e de seu estilo de vida -ou seja, um desfile para dizer a vontade de amar e seguir Cristo, inclusive de maneira caricatural, se assim alguém quiser.

Ora, segundo alguns líderes evangélicos, os manifestantes de quinta-feira não saíram à rua para celebrar sua própria liberdade, mas para criticar as recentes decisões pelas quais o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e autorizou as marchas pela liberação da maconha. Ou seja, segundo os líderes, a marcha não foi por Jesus, mas contra homossexuais e libertários.

Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros.

O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?

O entendimento trivial desse comportamento é o seguinte: em regra, para combater um desejo meu e para não admitir que ele é meu, eu passo a reprimi-lo nos outros.

Seria simplório concluir que os que pedem repressão da homossexualidade sejam todos homossexuais enrustidos. A regra indica sobretudo a existência desta dinâmica geral: quanto menos eu me autorizo a desejar, tanto mais fico a fim de reprimir o desejo dos outros. Explico.

Digamos que eu seja namorado, corintiano, filho, pai, paulista, marxista e cristão; cada uma dessas identidades pode enriquecer minha vida, abrindo portas e janelas novas para o mundo, permitindo e autorizando sonhos e atos impensáveis sem ela. Mas é igualmente possível, embora menos alegre, abraçar qualquer identidade não pelo que ela permite, mas por tudo o que ela impede.

Exemplo: sou marido para melhor amar a mulher que escolhi ou sou marido para me impedir de olhar para outras? Não é apenas uma opção retórica: quem vai pelo segundo caminho se define e se realiza na repressão -de seu próprio desejo e, por consequência, do desejo dos outros. Para se forçar a ser monogâmico, ele pedirá apedrejamento para os adúlteros: reprimirá os outros, para ele mesmo se reprimir. No contexto social certo, ele será soldado de um dos vários exércitos de pequenos funcionários da repressão, que, para entristecer sua própria vida, precisam entristecer a nossa.

Se tivesse a chance, você atropelaria dois ladrões?

: Ou se eles fossem atropelados na sua frente, você salvaria suas vidas? O psicanalista Contardo Calligaris coloca em debate alguns tipos de "decisões morais" em artigo na Folha; o que você faria?



247 - O psicanalista Contardo Calligaris coloca em debate, num artigo publicado na Folha de S.Paulo desta quinta-feira, uma questão bastante polêmica: se tivesse a chance, você teria coragem de atropelar dois assaltantes? Ou então, se eles fossem atropelados na sua frente, logo depois de te assaltar, salvaria-lhes a vida? Se sim, ou se não, por quê?

Leia abaixo a íntegra do artigo e tente responder a suas perguntas:




Decisões morais
Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois assaltantes; você vai acelerar?

É uma da tarde, e você dirige uma caminhonete pelas ruas de São Paulo. De repente, você esbarra num carro parado; ao lado dele, dois motoqueiros; um dos dois enfia seu braço armado pelo vidro do motorista do carro; o assaltante ameaça e grita, ele pode atirar a qualquer momento, quer seja porque não estão lhe entregando o que ele pediu, quer seja porque não gostou do que lhe foi entregue, quer seja porque, simplesmente, ele está nervoso e a fim de matar.

Atrás de você e da cena do assalto, só buzinam os mais afastados, que não enxergam o que está acontecendo. Os mais próximos ficam paralisados, divididos entre o medo e a vergonha por não reagirem e por serem cidadãos de um lugar onde isso é possível e corriqueiro.

Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois meliantes, antes que atirem ou que fujam, ganhando, mais uma vez, dos assaltados e de todos nós.

Você não vai acelerar. É por medo de que o assaltante evite seu carro e acerte você com um tiro? É por preguiça de se envolver com polícia e investigação? Ou receia que cúmplices e familiares dos criminosos se vinguem?

Tudo bem, imaginemos que seja noite funda: não há ninguém, só os assaltantes, os assaltados e você. Ninguém verá nada. Ainda assim, você não vai acelerar?

Talvez prevaleça em você a inibição que paralisa a muitos na hora de machucar um semelhante, mesmo odioso. Ou talvez você queira agir "segundo a lei". Mas você sabe que a lei contempla e admite a "legítima defesa de terceiro"? Tudo bem, sua única obrigação jurídica é acionar a autoridade competente: fique no seu carro e ligue para a PM, uma viatura chegará a tempo para interromper o assalto e proteger os assaltados -não é verdade?

Ok, você hesitou demais, um dos assaltados acaba de ser baleado. Juridicamente, você não tem responsabilidade por não ter agido. A lei não exige de ninguém que seja herói. Mas será que isso é verdade também da moral? Você vai dormir tranquilo?

Outro dilema. Agora, imagine que, exatamente na mesma cena, você seja o assaltado. A caminhonete do dilema anterior apareceu, atropelou os assaltantes e sumiu. O bandido para quem você entregou sua bolsa está no asfalto, numa poça de sangue. Você faz o quê? Chama uma ambulância e espera para dar depoimento? Ou recupera o que lhe foi roubado e vai embora?

Já escrevi aqui mais de uma vez: admiro a teoria dos estágios do pensamento moral, de Lawrence Kohlberg. Resumindo, com nosso exemplo: é inútil querer decidir se é mais moral jogar a caminhonete para cima dos ladrões ou se esconder atrás do volante.

O que importa é a razão de nossa escolha. Se decidirmos por medo da punição, por conformidade ou mesmo por respeito à lei, nossa conduta será moralmente medíocre. Se decidirmos segundo o que nos parece certo, em nosso foro íntimo, nossa conduta -seja ela qual for- será de uma qualidade moral superior.

Mais uma coisa: Kohlberg também mostrou que a gente não melhora moralmente à força de memorizar valores ou exemplos a seguir, mas destrinchando dilemas e ponderando como e por que agiríamos de uma maneira ou de outra.

Os dois dilemas que acabo de expor são extraídos de um filme excelente, que não me sai da cabeça, "Disparos", de Juliana Reis, em cartaz desde sexta passada.

"Disparos" acontece no Rio, embora seu roteiro seja, hoje, mais paulistano do que carioca. De qualquer forma, não perca o filme e não fuja do debate íntimo sobre o que você faria numa situação parecida (até porque as chances de viver uma situação parecida aumentam a cada dia).

O Senado acaba de incluir disciplinas de ética no currículo do ensino fundamental e médio. Espero que se evite a monumental estupidez de ensinar ética normativa, ou seja, de querer enfiar valores em nossas crianças -goela abaixo, como se fossem partículas consagradas.

Para crianças como para adultos, "aprender" ética significa aprimorar a disposição a pensar moralmente, ou seja, a capacidade de debater, em nosso foro íntimo, os enigmas complexos (e, muitas vezes, insolúveis) que a realidade nos apresenta. Como disse, essa disposição só melhora à força de encarar dilemas.

Sem esperar o mais que provável desastre do novo curso, podemos ir (e levar nossos adolescentes) ao cinema. "Disparos" é um filme perfeito para pesar a complexidade da vida urbana no Brasil, ou seja, para pensar o que significa sermos morais hoje, aqui, no lugar em que estamos vivendo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Entre 150 países, Brasil tem o maior ganho de bem-estar em 5 anos




http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515873-entre-150-paises-brasil-tem-o-maior-ganho-de-bem-estar-em-5-anos

O Brasil foi o país que melhor utilizou o crescimento econômico alcançado nos últimos cinco anos para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população. Se o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a um ritmo médio anual de 5,1% entre 2006 e 2011, os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes aos de um país que tivesse registrado expansão anual de 13% da economia.

A conclusão é de levantamento feito pela empresa internacional de consultoria Boston Consulting Group (BCG), que comparou indicadores econômicos e sociais de 150 países e criou o Índice de Desenvolvimento Econômico Sustentável (Seda, na sigla em inglês), com base em 51 indicadores coletados em diversas fontes, como Banco Mundial, FMI, ONU e OCDE.
A reportagem é de Arthur Pereira Filho e publicada pelo jornal Valor, 27-11-2012.

O desempenho brasileiro nos últimos anos em relação à melhoria da qualidade de vida da população é devido principalmente à distribuição de renda. "O Brasil diminuiu consideravelmente as diferenças de rendimento entre ricos e pobres na década passada, o que permitiu reduzir a pobreza extrema pela metade. Ao mesmo tempo, o número de crianças na escola subiu de 90% para 97% desde os anos 90", diz o texto do relatório "Da riqueza para o bem-estar", que será oficialmente divulgado hoje. O estudo também faz referencia ao programa Bolsa Família, destacando que a ajuda do governo as famílias pobres está ligada à permanência da criança na escola.

Nessa comparação de progressos recentes alcançados, o Brasil lidera o índice com 100 pontos, pontuação atribuída ao país que melhor se saiu nesse critério de avaliação. Aparecem a seguir Angola (98), Albânia (97,9), Camboja (97,5) e Uruguai (96,9). A Argentina ficou na 26ª colocação, com 80, 4 pontos. Chile (48º) e México (127º) ficaram ainda mais atrás.

Foram usados dados disponíveis para todos os 150 países e que fossem capazes de traçar um panorama abrangente de dez diferentes áreas: renda, estabilidade econômica, emprego, distribuição de renda, sociedade civil, governança (estabilidade política, liberdade de expressão, direito de propriedade, baixo nível de corrupção, entre outros itens), educação, saúde, ambiente e infraestrutura.

O ranking-base gerou a elaboração de mais três indicadores, para permitir a comparação do desempenho, efetivo ou potencial, dos países em momentos diferentes:
1) atual nível socioeconômico do país;
2) progressos feitos nos últimos cinco anos; e
3) sustentabilidade no longo prazo das melhorias atingidas.

Como seria de se esperar, os países mais ricos estão entre os que pontuam mais alto no ranking que mostra o estágio atual de desenvolvimento. Nessa base de comparação, que dá conta do "estoque de bem-estar" existente, a lista é liderada por Suíça e Noruega, com 100 pontos, e inclui Austrália, Nova Zelândia, Canadá, EUA e Cingapura. Aí o Brasil aparece em posição intermediária, com 47,8 pontos.

Para Christian Orglmeister, diretor do escritório do BCG em São Paulo, o desempenho alcançado pelo Brasil é elogiável, mas deve ser visto com cautela. "Quando se parte de uma base mais baixa, é mais fácil registrar progresso. O Brasil está muito melhor do que há cinco anos em várias áreas, até mesmo em infraestrutura, mas é preciso ainda avançar muito mais."

Entre os países que ocupam os primeiros lugares nesse ranking de melhoria relativa dos padrões de vida da população nos últimos cinco anos, a renda per capita anual é muito diversificada, indo desde menos de US$ 1 mil em alguns países da África até os US$ 80 mil verificados na Suíça. Além do Brasil, mais dois países sul-americanos _ Peru e Uruguai _ aparecem na lista dos 20 primeiros. Também estão nela três países africanos que em décadas passadas estiveram envolvidos em guerras civis - Angola, Etiópia e Ruanda - e que nos anos recentes mostram fortes ganhos em relação a padrão de vida. Da Ásia, aparecem na relação Camboja, Indonésia e Vietnã.

Nova Zelândia e Polônia também integram esse grupo. O crescimento médio do PIB neozelandês foi de 1,5%, mas a melhora do bem-estar foi semelhante à de uma economia que estivesse crescendo 6% ao ano. Na Polônia e na Indonésia, que atingiram crescimento médio do PIB de 6,5% ano, o padrão de vida teve elevação digna de uma economia em expansão de 11%.

O estudo também compara o desempenho recente dos Brics - além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - na geração de mais bem-estar para os cidadãos. Se em relação à expansão da economia, o Brasil ficou atrás dos seus parceiros entre 2006 e 2011, o país superou a média obtida pelo bloco em áreas como ambiente, governança, renda, distribuição de renda, emprego e infraestrutura, diz Orglmeister. China, Rússia, Índia e África do Sul aparecem apenas em 55º, 77º, 78º e 130º, respectivamente, nessa base de comparação, que é liderada pelo Brasil.

O desafio brasileiro, agora, é manter esse ritmo no futuro, afirma o diretor do BCG. "O Brasil precisa avançar em quatro áreas principalmente", diz. "Na melhora da qualidade da educação, na infraestrutura, na flexibilização do mercado de trabalho e nas dificuldades burocráticas que ainda existem para fazer negócios no país."

Para Douglas Beal, um dos autores do trabalho e diretor do escritório do BCG em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, embora os indicadores reunidos para produzir o Seda pudessem ser utilizados para produzir um novo índice, esse não é o objetivo do levantamento. "A meta é criar uma ferramenta de benchmarking, que possa fornecer um quadro amplo. com base no qual os governos possam agir."

Veja a íntegra do relatório em www.cbg.com

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Industriais com Dilma na disputa elétrica


26 de Novembro de 2012



Em meio a um massacre das ações da Eletrobras nas bolsas de valores, após quase um mês de bombardeio cerrado dos críticos contra a política governamental para as concessões de energia elétrica, o governo, afinal, recebeu reforços: os dirigentes industriais, que elegeram o corte no custo de energia entre as prioridades de sua pauta de reivindicações, publicaram anúncios de página inteira para cobrar aprovação da Medida Provisória 579, assinada pela presidente Dilma Rousseff, com a mudanças nas regras do setor.

"A presidente seguiu a cartilha da Fiesp", defende o diretor do departamento de infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Carlos Cavalcanti.

A reportagem é de Sergio Leo e publicada pelo jornal Valor, 26-11-2012.

Entre 2015 e 2017 vencem as concessões de 85 mil quilômetros de linhas de transmissão e de usinas que geram 22,3 gigawatts, ou quase 22% do parque de geração de energia no país. As geradoras, todas estatais que, por motivos políticos, escaparam à onda privatizadora em governos anteriores, entre elas a federal Eletrobras, pressionavam pela renovação dessas concessões, uma tradição no setor. As federações de indústria cobravam novas licitações, ao fim das concessões, para garantir operadores com preços mais baixos.

O governo permitiu a renovação, mas só para quem aceitar, até 4 de dezembro, um corte nos preços. Os que preferirem manter as tarifas atuais terão suas concessões encerradas e leiloadas ao fim dos contratos. O governo aceitou indenizar as empresas pelos ativos (investimentos) que não forem amortizados, mas a diferença entre o que as geradoras contabilizam como ativos e o que o governo se dispõe a pagar gerou furor entre investidores e levou a uma queda abissal nas ações do setor. A líder Eletrobras, apesar de uma alta de quase 7% em média na sexta-feira, acumula perdas entre 59,5% (preferenciais) e 68,9% (ordinárias) no ano, segundo o Valor Data.

Cavalcanti, um dos principais articuladores da campanha da indústria em favor do corte de energia, diz que a queda nas ações das concessionárias deveria ter sido prevista pelo mercado, que, na avaliação da Fiesp, preferiu apostar em balanços artificialmente inflados. Parcelas da receita das empresas que poderiam ter sido usadas para amortizar investimentos foram destinadas a pagar dividendos aos governos estaduais, que as controlavam, acusa.

As empresas podem, agora, manter as tarifas altas para amortizar os investimentos nos anos que faltam até o fim dos contratos; mas, após essa data, terão de devolver as concessões ao governo federal e disputá-las em leilão.

"Não houve quebra de contratos, isso é balela", reage Cavalcanti contra uma das principais acusações levantadas contra a MP do governo. "Ninguém é obrigado a antecipar o fim do contrato, mas se quiser continuar com a concessão depois disso tem de aplicar agora o novo patamar de preço".

O que a MP permite não é uma prorrogação da concessão, mas um contrato de gestão com a concessionária, com novos preços, para quem antecipar o fim da concessão que venceria nos próximos anos. O diretor da Fiesp discorda de quem acusa o governo de precipitação, embora reconheça que há forte componente político no esforço para reduzir tarifas agora, ainda na segunda metade do mandato de Dilma. "Dizem que o governo demora para tomar decisões, e, quando tomou, o acusam de ser atabalhoado, não consultar ninguém?"

Cavalcanti garante que estudos do próprio setor elétrico comprovavam, há pelo menos um ano, que as tarifas deveriam cair, dos atuais R$ 96 para R$ 30, ao se descontar a amortização de investimentos. "Os investimentos já foram amortizados há anos e as tarifas não foram reduzidas", reclama. Os estudos da Fiesp sugeriam que as tarifas, descontada a amortização que já ocorreu, cairiam para R$ 21. O governo aponta para R$ 27.

Segundo um interlocutor de Dilma ouvido pelo Valor, o governo está disposto a negociar aspectos pontuais das medidas para as concessões. Há simpatia no Palácio do Planalto, por exemplo, para a proposta de tratamento diferenciado a três usinas da Cemig, feita pelo relator da MP, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), atendendo ao senador e presidenciável tucano Aécio Neves (PMDB-MG).

As usinas São Simão, Jaguara e Miranda, da Cemig, estariam próximas de sua primeira prorrogação de contrato sem mudança de tarifas e se dizem prejudicadas, porque a tradição tem sido renovar automaticamente as concessões em seu primeiro vencimento. Está implícito, nas conversas reservadas do governo, que poderia haver alguma flexibilidade para Minas em troca de apoio para aprovação da MP. Ao contrário do que vem dizendo o governo publicamente, também não está fora de questão prorrogar a data de 4 de dezembro para que as empresas aceitem ou não prorrogar as concessões com tarifas menores.

A Fiesp e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro publicaram sexta-feira anúncios de página inteira nos grandes jornais, em apoio ao governo. Repetirão a dose amanhã e, na quarta-feira, as duas federações publicarão anúncios assinados conjuntamente. Ao lado da manifestação pública, executivos da indústria têm mantido contatos intensos com o Congresso. Das 431 emendas apresentadas à MP, a Fiesp só considera aceitáveis 16, que tratam de questões como exigência de maior transparência nos encargos sobre as tarifas de energia.

Cavalcanti classifica de "terrorismo" a avaliação de especialistas do setor que preveem danos aos programas de investimentos da Eletrobras e outras elétricas, com a queda de tarifas. "Ninguém usa dinheiro do caixa para investimentos, as empresas se financiam no BNDES ", argumenta.

Para Cavalcanti, uma prova de que o setor continua atrativo são as declarações de interesse nos futuros leilões de energia, feitas na semana passada pelo presidente do conselho de administração da espanhola Endesa, Borja Prado. Já não dá para dizer que o governo está isolado na defesa das mudanças nas concessões de energia.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515848-industriais-com-dilma-na-disputa-eletrica

Proposta de Emenda à Constituição Federal ameaça direitos indígenas



Segunda, 26 de novembro de 2012
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515829-proposta-de-emenda-a-constituicao-federal-ameaca-direitos-indigenas



Uma Proposta de Emenda à Constituição Federal (CF), a PEC 71/2011, tramitando no Senado, pode alterar os direitos originários dos indígenas sobre suas terras. O texto absurdo vai possibilitar que aqueles que têm títulos de terras concedidas pelo governo até outubro de 1988 e que foram declaradas como índígenas, sejam indenizadas não só pelas benfeitorias, mas também pela terra nua.

O comentário é de Telma Monteiro, especialista em análise de processos de licenciamento ambiental, em artigo publicado no seu blog, 24-11-2012.

O § 6º do Artigo 231 da CF diz que pessoas com títulos de posse em terras indígenas já declaradas, até outubro de 1988, não têm direito à indenização pela terra nua e não podem mover ações contra a União.  Agora, se a proposta de Emenda for aprovada, os detentores desses títulos serão indenizados pelo Estado, tanto pela terra nua como pelas benfeitorias, além de poder mover ações contra a União.

Outro detalhe que chama a atenção é quanto ao significado dos termos usados: nulos, que consta do texto original significa que em qualquer época (passado, presente ou futuro) qualquer ato que leve à ocupação de terra indígena é nulo. No novo texto proposto o termo nulos foi substituído por anulados, ou seja, apenas os atos passados poderiam ser anulados e não os atos posteriores à alteração do § 6° do Artigo 231 da CF.

Trocando em miúdos: um ato que é nulo é um ato sem valor desde sua origem e para sempre; um ato anulado é um ato válido até sua anulação.

No novo texto, os posseiros vão poder entrar com ações questionando os valores das indenizações e, inclusive, poder pedir reintegração de posse.  A proposta da PEC 71 não só não garante que as terras indígenas fiquem livres dos detentores dos títulos concedidos pela União, como abre uma grande brecha para que a União seja acionada.

Uma análise feita pelo Senador Eduardo Suplicy levanta a ilegalidade da proposta que reduziria, na prática, os direitos dos indígenas definidos nos artigos 231 e 232 da CF. Se era necessário um ajuste para fazer alguma justiça aos detentores de boa fé de títulos de terras concedidos pela União, antes da CF de 1988,  bastava um novo parágrafo que obrigasse a indenização da terra nua.

Qual seria o sentido de se alterar completamente o § 6º, do Artigo 231 e ainda criar um novo artigo que sacramenta a indenização pela terra nua? O novo texto do parágrafo é capcioso, pelo que entendo.

A redação dada pela Assembleia Constituinte de 1988 ao § 6º do Artigo 231 tinha um motivo de assim ser. Afinal, sempre houve dúvidas com relação à legitimidade dos  títulos de terras concedidas pela União. Então, por que alterar o artigo da CF que, nitidamente, viola os direitos originários dos indígenas sobre suas terras?

Para ler mais:

PEC 71/2011 http://www6.senado.gov.br/mate/servlet/PDFMateServlet?m=101237&s=http://www.senado.gov.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0

Substitutivo de Suplicy:
http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/116731

PEC 71/2011 – Não a defendam e tenham cuidado com ela!!! E isto é muito sério!
http://racismoambiental.net.br/2012/11/pec-712011-nao-a-defendam-e-tenham-cuidado-com-ela-e-isto-e-muito-serio/#.UK-NJj2JBgU.facebook

Fazendeiros invasores armam resistência em Marãiwatsédé

28/06/2012 - 11:50, atualizado em 23/07/2012 - 20:31

Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br - 

Por Gabriel Moreira*


Desde a noite do último sábado, 23 de junho, a Terra Indígena Marãiwatsédé, homologada em 1998 pela Presidência da República, está ocupada por manifestantes que bloquearam o acesso à cidade de São Félix do Araguaia na localidade conhecida como Posto da Mata. Eles cavaram uma trincheira na estrada e queimaram pontes em outras vias de acesso à região em ato desesperado diante da sua iminente desintrusão.

A retirada dos invasores de dentro da terra indígena é pleiteada pelo povo Xavante desde 1992.

Latifundiários têm financiado o transporte e a permanência de outros Xavante que vivem na Terra Indígena Parabubure, no município de Campinápolis (460 km de distância de Marãiwatsédé) no Posto da Mata, engrossando o número de manifestantes. De acordo com denúncia da comunidade indígena Xavante residente em Marãiwatsédé, protocolada em 2011 no Ministério Público Federal de Mato Grosso (clique para ler o documento), o advogado Luiz Alfredo Abreu tem oferecido dinheiro aos indígenas Xavante de outras regiões para aceitar, em nome dos que vivem em Marãiwatsédé, a transferência dos índios para o Parque Estadual do Araguaia. Ele representa o presidente da Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missu, Renato Teodoro, e é irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), uma das principais lideranças da Frente Parlamentar de Agropecuária, a Bancada Ruralista. A Repórter Brasil tentou ouvir o advogado, mas ele não respondeu ao recado deixado em seu celular.

A transferência foi estipulada na lei estadual 9.564 de junho de 2011, considerada inconstitucional pelo governo federal. A lei foi elaborada pelo presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, José Riva (PSD) e pelo deputado estadual Adalto de Freitas (PMDB), e sancionada pelo governador Silval Barbosa (PMDB), que na época declarou a todos os jornais que esta era “uma solução pacífica para o conflito em Marãiwatsédé”.

A solução proposta prevê a retirada pela segunda vez os Xavante de seu território tradicional, de onde foram forçados a sair em 1966 em aviões da FAB, pelo governo militar, possibilitando, assim, a colonização da Amazônia mato-grossense pelo empresário Ariosto da Riva. Na época, o território foi transformado em um latifúndio considerado um dos maiores do mundo, a Fazenda Suiá Missu, vendida posteriormente à empresa italiana Agip Petroli, que por pressão internacional devolveu verbalmente a área aos Xavante em meio aos holofotes da Eco 92. A saída “pacífica” do governo de Mato Grosso, de quebra, permite ainda a continuidade de todas as atividades ilegais que já devastaram, desde 1992, cerca de 90% da terra indígena, tornando-a líder de desmatamento na Amazônia brasileira.


Soja Pirata
As fazendas de soja em Marãiwatsédé já foram diversas vezes alvo de embargos do Ibama, como na Operação Soja Pirata e na Operação Pluma. Mas, apesar disso, continuam produzindo e vendendo impunemente o grão. Entre os compradores de gado das fazendas que existem no interior de Marãiwatsédé estão alguns dos principais frigoríficos do país.


Em 1992, Marãiwatsédé estava desocupada e ainda preservada, uma vez que os indígenas permaneciam exilados em outras áreas, como na Missão Salesiana São Marcos. Em 20 anos, fazendeiros e políticos locais, com apoio do governo de Mato Grosso, orquestraram um leilão das terras aos primeiros rumores de que a área seria finalmente declarada como terra indígena, pré-condição para permitir o retorno dos Xavante. Os discursos de vereadores, deputados e fazendeiros incitando a população a ocupar e devastar Marãiwatsédé antes do retorno dos indígenas foram registrados pela equipe de antropólogos que estava na área elaborando os laudos que serviriam como base para a demarcação do território. Eles enviaram os trechos desses discursos de invasão ao Ministro da Justiça, Célio Borges, mas nenhuma atitude por parte do governo federal impediu a invasão premeditada e organizada de Marãiwatsédé durante a Eco 92.

Leia trechos dos discursos registrados na época (parte 1, parte 2 e parte 3)


Depois de 20 anos de guerra judicial, a sentença do desembargador Souza Prudente, Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), de 18 de maio de 2012, autorizando a desintrusão de Marãiwatsédé e determinando que a FUNAI implemente um plano de retirada dos fazendeiros está sendo novamente questionada através de inúmeros recursos que se aproveitam de um racha entre os indígenas. Um grupo dissidente de Marãiwatsédé que vive em outras terras indígenas assinou um documento anexado ao processo judicial declarando aceitar a permuta para o Parque Estadual do Araguaia. Uma vez que este documento não representa a vontade da comunidade Xavante que vive e luta por Marãiwatsédé há 46 anos, e está baseado em uma lei inconstitucional, a Justiça manteve a decisão de retirar os invasores, sem que eles tenham qualquer direito à indenização, uma vez que entraram de má fé na terra indígena.

Leia mais no especial Conexões Sustentáveis: Soja: o que está por trás do óleo de cozinha?



Xavantes x Xavantes
Aliciados pelos fazendeiros em sua estratégia de jogar índios contra índios, já que a guerra judicial foi perdida, os Xavante de outras áreas estão recebendo todo o tipo de facilidade financeira para pressionar a Justiça e o Executivo, em Brasília, na tentativa de reverter a decisão de retirada dos invasores.

Eles tentam também desqualificar a liderança histórica do cacique Damião Paridzané (foto ao lado), que sofre para representar os interesses da comunidade de Marãiwatsédé por melhores condições de saúde, educação e territorialidade há décadas. Na semana passada, Damião retornou do Rio de Janeiro com uma comitiva de 12 guerreiros de Marãiwatsédé, onde apresentaram carta à presidente Dilma Rousseff para a presidente da FUNAI, Marta Azevedo, para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para o Secretário de Articulação Social do governo federal, Paulo Maldos. Eles garantiram que o plano de desintrusão deverá sair imediatamente, pois não há mais razões para demoras. Em outro evento durante a Cúpula dos Povos, o assessor da presidência da FUNAI, Aluizio Azanha, informou que a retirada dos fazendeiros começará pelos maiores latifundiários em 30 dias.


De acordo com a FUNAI, os Xavante formam hoje a segunda maior população de indígenas do país, com cerca de 18 mil pessoas. Existem comunidades Xavante em 9 terras indígenas regularizadas: Parabubure, São Marcos, Areões, Ubawawe, Chão Preto, Marechal Rondon, Pimentel Barbosa, Sangradouro, além de Marãiwatsédé, fora outras cinco áreas em estudo.

Neste momento, a tensão segue crescente em Marãiwatsédé. O fazendeiro Sebastião Prado chegou a afirmar em entrevista a jornais locais que o movimento de resistência não é pacífico. O cacique Damião já recebeu novas ameaças. Não há efetivo suficiente do governo federal para garantir a segurança dos cerca de 900 Xavante de Marãiwatsédé, que se protegem em sua aldeia.

* Especial para a Repórter Brasil, com informações de Daniel Santini

Apoio ao povo Xavante de Marãiwatsédé. Pelo cumprimento da Lei: Desintrusão Já!




Ato 1 =================================



Terça, 14 de agosto de 2012
Manifesto de Apoio ao povo Xavante de Marãiwatsédé. Pelo cumprimento da Lei: Desintrusão Já!

“Aguardamos ávidos a comunicação de que Marãiwatsèdè regressou aos seus verdadeiros donos: o povo A’uwe Uptabi ou Povo Xavante como são mais conhecidos”, afirma Manifesto da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA) sobre  a devolução da Terra Indígena Marãiwatsédé, no nordeste de Mato Grosso aos povos Xavantes.

Eis o manifesto.

"Somos de Marãiwatsèdè. Fomos expulsos de nosso território. Nosso Povo sofreu muito longe da terra, muitos morreram.

Agora resolvemos, não vamos sair nunca mais da nossa terra. Estamos em guerra” – Indìgena Xavante

O conflito vivido pelo povo Xavante da Terra Indígena de Marãiwatsèdè tornou-se um caso emblemático de violação aos direitos humanos e da truculência praticada pelo Estado e pelos invasores contra os povos indígenas em Mato Grosso e no Brasil.

Essa violação se delonga desde a década de 60 quando o território dos Xavante fora ocupado pela Agropecuária Suiá-Missú (o maior latifúndio do mundo na época). Nesse período os indígenas foram transferidos para a Terra Indígena São Marcos, na região sul de Mato Grosso, e por lá permaneceram cerca de 40 anos, posteriormente, a fazenda foi vendida para a petrolífera italiana Agip. Durante a Rio 92 a empresa italiana foi pressionada a devolver aos Xavante seu território de origem.

De acordo com a Funai em 1992 (quando começaram os estudos para a demarcação da Terra Indígena Marãiwatsèdè a área passou a ser ocupada por invasores). Mesmo sem o amparo do Estado os guerreiros Xavante retornaram ao seu território e vivem atualmente espremidos em apenas 10% da área homologada em 1998 (com 165.241 hectares) de posse permanente e usufruto exclusivo desse povo. Os 90% restante do território, atualmente, está tomado ilegalmente por fazendeiros e invasores, majoritariamente, criadores de gado e produtores de soja que exaurem o ambiente, acuam e ameaçam os indígenas.

Vivendo as margens do seu território e das políticas públicas os indígenas aguardam fazer valer seus direitos. Sucessivos recursos jurídicos foram tomados para que Marãiwatsèdè volte a ser ocupada pelos primeiros habitantes: o povo Xavante. Recentemente, esse direito foi definitivamente reconhecido pela Justiça Federal de Mato Grosso que homologou o plano de desocupação de não índios da região.

Resumidamente, a referida decisão judicial do processo nº 2007.36.00.012519-0, determina que:

- A FUNAI em um prazo de 48 (quarenta e oito) horas (a partir do dia 31/07) forneça a lista dos ocupantes, não-índios, identificados em Marãiwatsèdè, bem como, informe a data de início do processo de desintrusão, cujo prazo não poderá ser inferior a quinze dias à comunicação a ser feita a este juízo;

- Conhecida a data de início da desocupação, oficie-se de imediato, com prazo não inferior a 10 (dez) dias, à Polícia Federal e à Força Nacional de Segurança, para que prestem auxílio total e irrestrito durante todo o processo de execução da desintrusão;

- Mandados de desocupação da área indígena, com prazo de trinta dias, mantendo-se na área de domínio da UNIÃO somente os índios, conforme já decidido por este juízo.

Na luta por justiça ambiental, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA) e o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT) vêm a público manifestar seu irrestrito apoio ao povo Xavante de Marãiwatsèdè, solicitar que os prazos sejam rigorosamente cumpridos, e, sobretudo, que a segurança e a dignidade dos indígenas sejam garantidas durante o processo de desintrusão. Aguardamos ávidos a comunicação de que Marãiwatsèdè, regressou aos seus verdadeiros donos: o povo A’uwe Uptabi ou Povo Xavante como são mais conhecidos.

Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA)
Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-MT)

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512390



Ato 2 ============================



Segunda, 26 de novembro de 2012
Justiça expulsa posseiros de área indígena

Famílias de posseiros que ocupam desde 1992 a terra indígena Marãiwatsédé, no nordeste de Mato Grosso, foram notificadas pela Justiça e terão de deixar suas casas até 18 de dezembro.

O Incra, órgão do governo federal responsável pela regularização fundiária no país, identificou 650 famílias de pequenos agricultores vivendo na área, o equivalente a cerca de 2.700 pessoas. Já a associação local de produtores rurais diz que 7.000 pessoas serão despejadas.

A terra indígena tem 165 mil hectares que abrangem os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.

A reportagem é de Daniel Carvalho e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 25-11-2012.

Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), cerca de mil xavantes vivem desde 2004 numa área de 10% da terra indígena, homologada em 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

A saída dos posseiros é uma determinação de agosto da Justiça Federal.

Em setembro, os não índios conseguiram suspender a retirada. No mês seguinte, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, derrubou a liminar que mantinha posseiros na terra indígena.

O caso ainda não foi apreciado pelo plenário do tribunal, mas a procuradora da República Marcia Zollinger diz acreditar que os recursos dos posseiros não deverão ser aceitos pelo STF, pois têm como objetivo rediscutir as provas da ação. "A confiança é plena de que agora os índios voltarão para a terra deles", disse a procuradora.

CLIMA TENSO

A presença de dois oficiais de Justiça entre os dias 7 e 18 provocou tensão no distrito de Posto da Mata, em Alto Boa Vista (a 1.045 km de Cuiabá).

Homens da Polícia Federal, da Força Nacional de Segurança Pública e da Polícia Rodoviária Federal permanecem no local. O efetivo em atuação não foi informado.

Segundo a PF, uma delegacia desativada que serviria de base para os agentes foi incendiada no fim de semana passado, e um carro da Força Nacional foi virado por manifestantes.

O presidente da associação dos produtores rurais, Renato da Silveira Filho, ainda espera reverter a situação. "É muito triste, muito revoltante. O Brasil está querendo acabar com a pobreza, [mas] lá estão querendo jogar o povo na miséria", disse à Folha.

Segundo a associação, serão desativados 600 propriedades rurais, um posto de saúde, dois postos de gasolina, dois hotéis, oito igrejas e três escolas públicas onde estudam 800 alunos.

Pelos cálculos de Silveira Filho, 250 mil cabeças de gado, 10 mil hectares de soja e cinco mil hectares de milho serão perdidos.

Os posseiros não terão direito a indenização pelas benfeitorias porque, em 2010, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região entendeu que eles são "meros invasores da área".

O Incra está cadastrando as famílias da região para ver quantas se encaixam no perfil de público da reforma agrária e poderão ir para assentamentos próximos.

DITADURA

Os xavantes foram expulsos de suas terras na década de 1960 pelo governo militar e lutam na Justiça desde 1995 para voltar para a terra indígena Marãiwatsédé.

Em 2011, o governo de Mato Grosso sancionou lei que permite ao Estado trocar com a União a terra indígena pela área do Parque Estadual do Araguaia. Para a Funai, a lei é inconstitucional.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515815-justica-expulsa-posseiros-de-area-indigena

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a história toda
http://maraiwatsede.wordpress.com/page/2/

Impunidade desafia combate à violência contra mulher no Brasil

Segunda, 26 de novembro de 2012



Seis anos após a promulgação da Lei Maria da Penha, o Brasil tem demonstrado esforços no combate à violência contra a mulher, e o número de denúncias vem aumentando, mas a maioria ainda esbarra em um velho obstáculo que beneficia os agressores: a impunidade.

A legislação que foi sancionada em 2006 é considerada modelo internacionalmente e leva o nome da ativista cearense que ficou paraplégica após ser baleada pelo marido, que a espancou por mais de dez anos.

O serviço Ligue 180, criado na mesma época da promulgação da lei, recebeu quase 3 milhões de ligações nos últimos seis anos, sendo 330 mil denúncias de violência, algo interpretado por especialistas como um sinal de que cada vez mais mulheres vêm utilizando este canal em busca por justiça.

A reportagem é publicada pela BBC Brasil, 25-11-2012.

Mas analistas avaliam que, na prática, o que impede o avanço do país rumo à eliminação da violência contra a mulher é o Judiciário, que ainda processa os casos com muita lentidão. Além disso, muitos juízes ainda tratam a questão com preconceito e machismo, primando por tentativas de conciliação mesmo diante das evidências de abusos, dizem pesquisadores da área.

Também há indícios de uma morosidade do governo nas esferas municipal, estadual e federal em agilizar a estruturação da rede de atendimento à mulher prevista pela lei.

Mais violência

Enquanto isso, estatísticas recentes mostram uma tendência de aumento da violência.

Segundo um levantamento do Instituto Sangari, baseado em dados obtidos de certidões de óbito e da Organização Mundial de Saúde (OMS, ligada à ONU), o Brasil acumulou mais de 90 mil mortes de mulheres vítimas de agressão nos últimos 30 anos.

Em 1980 eram 1.353 assassinatos deste tipo por ano, e em 2010 a crifra saltou para 4.297. Além disso, o Brasil fica em 7º lugar no ranking dos países com mais mortes de mulheres vítimas de agressão.

Algo que Eleonora Menicucci, ministra chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), órgão do governo federal, classifica como "lamentável".

"É realmente lamentável que o Brasil ainda esteja na 7ª posição neste ranking. Eu gostaria que a gente nem aparecesse, mas creio que todas as nossas políticas públicas impactam este cenário e que estamos no caminho certo", disse em entrevista à BBC Brasil.



Impunidade

Para Wania Pasinato, socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, as estatísticas soam como um alerta de que a lei não está sendo aplicada como deveria e que o país falha em não reduzir mais o sofrimento e as mortes de milhares de brasileiras.

"A gente diz o tempo todo para essas mulheres denunciarem a violência, mas nada é feito. O Estado não reage à essa denúncia, ou se reage, fica apenas no papel. Essa ineficiência cria um cenário de impunidade muito perverso", diz.

Já a ministra Eleonora Menicucci argumenta que na visão do governo federal o combate à impunidade é importante e configura a segunda etapa do esforço para conter a violência.

Mas ela admite que é "ponto pacífico" que existe uma "morosidade enorme nos processos".

Na metade deste ano a SPM lançou a campanha "Compromisso e Atitude no Enfrentamento à Impunidade e à Violência contra às Mulheres", focando no Ministério Público e Conselho Nacional de Justiça.

"Temos duas frentes: mudar a mentalidade da sociedade e do Judiciário. São os juízes que vão dar velocidade aos processos e audiências", explica, acrescentando que "o Brasil é um país muito grande, as culturas e os procedimentos são muito diferentes".

Ela destaca, no entanto, que entre julho de 2010 e dezembro de 2011 em todo o país foram realizadas 26.410 prisões de agressores, 4.146 detenções preventivas e que mais de 685.905 processos de agressão contra mulheres estão tramitando em cortes brasileiras.

O Observatório Lei Maria da Penha, ligado à Universidade Federal da Bahia (UFBA), que monitora a aplicação da lei em todo o Brasil, diz que ainda há muito machismo e preconceito entre delegados e juízes, que tendem a classificar a violência contra a mulher como um assunto de foro íntimo, relegado a um segundo plano diante de outras questões.

"Há casos de mulheres que denunciam o agressor e esperam mais de seis meses por uma audiência, e o juíz ainda tende a ignorar a gravidade da denúncia e primar pela conciliação e a retirada da queixa. Sobretudo no Nordeste, vemos até o assédio de policiais contra as mulheres no momento da denúncia, quando elas estão fragilizadas", diz Márcia Tavares, uma das pesquisadoras do grupo.

Wania Pasinato acredita que o Judiciário brasileiro simplesmente não está preparado para aplicar uma legislação de proteção à mulher.

"Eles veem apenas a dimensão criminal. O posicionamento de juízes e da segurança pública precisa ser modernizado. É necessário haver mais esforço, o que não está acontecendo. Muitos magistrados desconhecem totalmente a lei".



Estrutura

Um dos aspectos mais elogiados da lei Maria da Penha é o fato de que a legislação vê a violência contra a mulher não só como um problema criminal mas também social.

E para agir com mais eficiência rumo à uma transformação real da cultura de dominação machista e agressão, o texto da lei prevê a criação de uma rede de atendimento composta por diversas esferas, entre elas juizados especiais e abrigos onde as mulheres podem ficar seguras após fazer denúncias.

Mas até mesmo a SPM reconhece que essa estrutura ainda está muito aquém do necessário.

"É realmente verdade, infelizmente. A rede de proteção e as delegacias especiais são estaduais, já as casas-abrigo são municipais. Estamos propondo que os juizados sejam regionais, para melhorar essa estrutura", diz a ministra Eleonora Menicucci.

Ela explica que a SPM repassa recursos federais aos Estados a cada quatro anos, quando ocorre um acordo mediante a apresentação de projetos. No ciclo atual, apenas três Estados já renovaram suas verbas (Distrito Federal, Paraíba e Pará), recebendo um total de R$ 29,9 milhões. Os outros estão pendentes.

A pesquisadora da USP Wania Pasinato diz que os investimentos para que a rede seja de fato ampliada e que "a maioria das tentativas têm fracassado".

"Fica difícil transformar esse direito formal em um atendimento concreto sem essas estruturas previstas pela lei".

Para a socióloga, o alto número de assassinatos de mulheres no país é um alerta de que a lei, de fato, não está sendo aplicada como deveria, e que a sociedade brasileira ainda precisa avançar para aceitar o fato de que "bater em mulher" é crime.

"Passamos por muitas transformações e o papel da mulher foi alterado de forma muito radical no país. Temos uma presidente mulher, algo muito simbólico. São mudanças que a nossa cultura machista ainda não conseguiu absorver e que ameaçam os homens com a mentalidade dominadora".

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515837-impunidade-desafia-combate-a-violencia-contra-mulher-no-brasil

´'Violência contra mulher está em todas classes', diz Maria da Penha




Segunda, 26 de novembro de 2012


Se tudo tivesse ocorrido conforme planejado por seu agressor, Maria da Penha estaria morta há muito tempo, e ninguém suspeitaria que seu caso seria mais um de uma extensa lista de homicídios de mulheres no Brasil.

Mas ela sobreviveu a duas tentativas de assassinato e lutou para que seu marido, um economista colombiano, fosse condenado.

A reportagem é publicada pela BBC Brasil, 25-11-2012.

Hoje com 67 anos e paraplégica devido ao tiro que levou do ex-cônjuge, ela sabe que tem um lugar especial reservado na história do país, após ter uma lei batizada com seu nome, e que pode ajudar a salvar milhares de vidas de mulheres.

"Gostaria de ser lembrada como uma mulher que, perseverando após 19 anos e seis meses em busca de justiça, conseguiu mudar a lei de um país", diz a cearense durante uma entrevista à BBC Mundo em sua casa em Fortaleza.


"Enquanto dormia"

Farmacêutica bioquímica, ela relembra o instante em maio de 1983 quando um tiro a condenou a passar o resto da vida em uma cadeira de rodas. Ela tinha 38 anos.

"Meu marido atirou nas minhas costas enquanto eu dormia", disse. "Acordei com um tiro e não sabia quem havia atirado. Pensei que tinha sido ele, não o tinha visto".

As suspeitas dela eram baseadas nas atitudes cada vez mais violentas que Marco Antonio Heredia vinha adotando com ela e suas filhas. Ela havia sugerido a separação, mas ele não aceitou.

O agressor disse à polícia que o tiro que atingiu sua mulher havia sido disparado por um criminoso em uma tentativa de assalto.

Depois de passar quatro meses e meio hospitalizada, Penha voltou a viver com o marido e as filhas. "Continuei com ele porque não sabia que ele havia sido o autor da primeira vez".

"Quando voltei sofri uma segunda tentativa (de assassinato), mais dissimulada, por meio de um chuveiro elétrico danificado de propósito (para eletrocutá-la)", afirmou. "Se eu tivesse entrado no banho... Percebi antes que estava passando corrente (pela água)".

Quase um ano depois do disparo, convencida de que seu marido queria matá-la, Penha o denunciou às autoridades e começou sua luta para que Heredia fosse condenado.



Risco de morte

Heredia se declarou inocente da acusação, mas após uma série de julgamentos e recursos que lhe renderam mais de uma década em liberdade, foi condenado por tentativa de homicídio e começou a cumprir pena em 2002.

Ele ficou 16 meses na cadeia, passou para o regime semi-aberto e, em 2007, entrou em liberdade condicional.

Em meio à batalha judicial, o caso foi levado por ONGs à Comissão Interamericana de Direitos Humanos - que começou a pressionar o governo brasileiro.

O Estado foi responsabilizado pela demora no processo e convidado a tomar medidas para prevenir a violência doméstica - um delito que até então dificilmente se punia com prisão.

Isso levou à aprovação em 2006 da Lei Maria da Penha, que combate à violência doméstica com punições mais duras para os agressores, como a possibilidade de prisão preventiva e o impedimento da imposição de penas alternativas.

Uma declaração das Nações Unidas citou no ano passado essa lei como pioneira mundialmente em defesa dos direitos das mulheres.

Apesar da lei, a quantidade de mulheres brasileiras assassinadas continua causando preocupação - um desafio que permanece sem solução no país, segundo especialistas.

"A lei ajuda a mudar o comportamento, mas não muda tudo sozinha", disse a socióloga Eva Blay, uma das primeiras pesquisadoras a estudar questões de gênero no Brasil.

Maria Magnólia Barbosa, procuradora de Justiça de estado do Ceará, afirma que a lei também levou a um aumento das denúncias de mulheres maltratadas, dando ao problema maior visibilidade.

"Antes (as mulheres) não tinham a quem denunciar", explica à BBC Mundo.



"Questão cultural"

O Ceará, onde vive Maria da Penha, é um dos estados do Brasil com menores índices de violência doméstica, embora, segundo Maria Magnólia Barbosa, 157 mulheres tenham morrido nos sete primeiros meses de 2012 em decorrência de agressões.

"O feminicídio é uma questão cultural antes de mais nada", afirma Maria da Penha, que lembra que a violência doméstica está em todas as classes sociais: "Meu agressor era um professor universitário".

Símbolo da luta pelas mulheres no país, Penha aconselha que as que se sintam ameaçadas busquem apoio de instituições e grupos especializados, que se protejam com sigilo e evitem ser impetuosas.

"Muitas vezes a mulher pode se desesperar por estar vivendo uma situação assim, mas é melhor ter um pouco de cautela para que não seja assassinada", afirma. "Porque é em momentos assim que muitas vezes a mulher perde a vida".

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515838-violencia-contra-mulher-esta-em-todas-classes-diz-maria-da-penha

Caminhada pede fim da intolerância religiosa em Salvador


Dom , 25/11/2012 às 14:37 | Atualizado em: 25/11/2012 às 15:07

Flávia Faria


http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/materias/1469259


Caminhada percorreu do Engenho Velho da Federação até o Dique do Tororó


Homens, mulheres e crianças se uniram na manhã deste domingo, 25, para pedir respeito e liberdade de fé na 8ª Caminhada pela Vida e Liberdade Religiosa. Vestidos de branco, os participantes saíram o Engenho Velho da Federação a caminho do Dique do Tororó. No destino final, foram recebidos por bandas e apresentações artísticas.

Movida por um pequeno trio elétrico e música afro, a Caminhada pedia o fim da intolerância religiosa e o respeito ao povo de santo, como são chamados os adeptos das religiões de rigem africana.

Entre os manifestantes estava a Yalorixá do Terreiro Axé Abassá de Ogum, Jaciara Ribeiro, conhecida por seu papel na luta contra a intolerância. "Nós viemos de vários terreiros clamar por liberdade e respeito. Essa é uma ação política do povo de Santo", diz.

Também estiveram presentes os políticos Hamilton Assis, do PSOL, eleito vereador na última eleição, o deputado estadual Bira Corôa, e Ailton Ferreira, da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial. Eles destacaram  importância da tolerância religiosa e o papel das religiões africanas para a cultura baiana. "Essa caminhada é uma ação afirmativa das pessoas que professam sua fé e nela se reconhecem", diz Assis.

O movimento foi organizado pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN) e pelo Fórum Estadual de Religiões de Matrizes Africanas (Ferma).

 
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