domingo, 19 de fevereiro de 2012

Um Arco-Iris na Noite

Esse é o título do livro de Dominique Lapierre que relata o apartheid na África do Sul, desde a chegada dos holandeses calvinistas em 1652 até os episódios finais...

e desde livro eu vou postar aqui uma sequência de imagens que contam resumidamente essa história...


1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16



BREVE AMOSTRA DAS 1 . 7 0 0 LEIS E DISPOSIÇÕES INSTAURADAS PELOS
LEGISLADORES DO APARTHEID PARA GARANTIR A SEPARAÇÃO RACIAL ENTRE OS
BRANCOS E OS CIDADÃOS NEGROS E MESTIÇOS QUE VIVIAM NA ÁFRICA DO SUL

I. Intuito de estabelecer uma separação racial total entre brancos
e negros
1. É ilegal para uma pessoa branca e uma pessoa não branca sentarem-se
juntas em um salão de chá, a menos que tenham obtido uma permissão
especial.

2. Exceto se obtida uma permissão especial, um professor africano comete
um delito criminal se for dar uma palestra a convite de um clube branco.

3. Toda pessoa não branca que se sente em um parque público em um banco
exclusivamente reservado às pessoas de raça branca comete uma
infração criminal punível com uma pena de três anos de prisão e a
administração de dez chicotadas.

4. Todo africano que se apresente no balcão de uma agência dos correios
exclusivamente reservado aos brancos comete uma infração criminal punível
com uma pena de cinco anos de prisão e a administração de dez chicotadas.

5. Todo africano que quiser se sentar na única sala de espera de uma estação, que estará necessariamente reservada pelo chefe de estação para os viajantes brancos, expõe-se a uma multa de 150 rands1 e a uma pena de três meses de prisão.
Cem rands correspondem a cerca de sete euros.


II. Intuito de humilhar, de todas as maneiras possíveis, a população
negra da África do Sul

1. Nenhum africano tem o direito de adquirir uma parcela de terra em todo o território sul-africano.

2. É proibido a qualquer africano detentor de uma permissão legal para residir em uma cidade acolher em seu domicílio sua mulher e seus filhos.

3. Um africano que tenha nascido em uma cidade onde tenha passado catorze anos consecutivos de sua vida e onde tenha trabalhado sem interrupção para o mesmo empregador durante sete anos não pode receber em seu domicílio sua mulher, sua filha não casada e seu filho maior de dezoito anos por um período superior a 72 horas.

4. Um africano que resida sem interrupção na cidade onde nasceu não tem direito de alojar em seu domicílio uma filha casada, um filho maior de dezoito anos, uma sobrinha, um sobrinho ou um neto.

5. 0 direito de fazer greve é proibido aos trabalhadores africanos
Quem descumprir a ordem se expõe a três anos de prisão e a uma multa de 5 mil rands.



III. Intuito de instituir um estado policial dotado de todos os poderes
sobre a comunidade negra

1 As forças de polícia têm direito de entrar, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer casa, para se assegurar de que não se encontra a nenhuma pessoa não branca.

2. As autoridades podem proibir a presença de qualquer convidado africano a uma festa privada celebrada no domicílio de um particular de raça branca se julgarem que sua presença é indesejável por razões que
não têm de justificar.

3. Todo oficial de polícia pode interpelar, a qualquer momento, qualquer africano maior de dezesseis anos para exigir que mostre seu passaporte interno.

4. Todo representante da autoridade pode entrar na casa de um africano para fazer uma revista pela razão que for e a qualquer hora do dia ou da noite.

5. Todo policial, provido ou não de mandado de busca, pode entrar na casa de um africano, a qualquer hora razoável do dia ou da noite, se suspeitar que abriga um africano maior de dezoito anos culpado de residir com seu pai sem ter obtido autorização para isso.

6. Caso constate um atentado à ordem pública, a autoridade local pode ordenar a qualquer oficial de polícia proceder à detenção e prisão sem julgamento de qualquer africano.


IV. Intuito de estender as proibições a todas as esferas da vida, incluindo as igrejas, as escolas e os hospitais
1 O Ministério de Assuntos Indígenas pode, a pedido da autoridade urbana local, limitar o número de fiéis africanos autorizados a assistir ao serviço religioso de qualquer igreja.

2. Todo hospital que receba um paciente africano sem ter obtido a autorização do Ministério de Assuntos Indígenas comete uma infração criminal.

3. 0 Ministério de Assuntos Indígenas pode decidir fechar qualquer escola dirigida por uma comunidade ou uma tribo africana sem ter de justificar sua decisão.


V. Intuito de controlar a integridade racial da população
1. Vinte e cinco anos depois de o Estado a ter registrado como de raça branca, qualquer pessoa pode ter sua classificação de branco questionada por um terceiro. Só a Comissão de Classificação Racial pode, em caso de litígio, estabelecer em última instância a raça da pessoa objeto da contestação.


VI. Intuito de incluir os brancos nas proibições do apartheid
1. Toda pessoa branca residente em uma cidade que empregue um africano na qualidade de pedreiro, marceneiro, eletricista ou qualquer outro ofício qualificado sem ter obtido uma autorização do Ministério do Trabalho comete uma infração criminal punível com uma multa de 500 rands e pena de um ano de prisão.


VII. Intuito de impedir, a todo custo, a mistura de sangue entre as
raças branca e negra

1. Um homem não casado que, por evidência, por opinião geral ou por reputação, seja uma pessoa de raça branca, e que tente manter relações carnais com uma mulher que não seja, por evidência, por opinião geral ou por reputação, uma pessoa de raça branca, é culpado de uma infração punível com uma pena de sete anos de trabalhos forçados. A menos que possa provar, de modo satisfatório para a corte, que tinha uma razão válida para acreditar, quando foi cometida a infração em causa, que sua parceira era — por evidência, por opinião geral ou por reputação — uma pessoa branca.

Excertos traduzidos, pelo autor, do panfleto This is Apartheid, de Leslie
Rubin, Londres, Gollancz, 1959.

retirado do Livro de Dominique Lapierre - Um Arco-Iris na Noite
Editora Planeta

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Uma Brasileira conta sua história

UMA BRASILEIRA DIGNA DO MÉRITO DESSA NACIONALIDADE.
AH, SE TODOS FOSSEM IGUAIS A SENHORA DONA DIRCE PEREIRA DA SILVA, QUE MARAVILHA VIVER.

Carta enviada ao dep. Jean Wyllys.

Excelentíssimo Sr. Deputado Dr. Jean Wyllys de Matos Santos,


Meu nome é Dirce Pereira da Silva e, atualmente, conto com 77 (setenta e
sete) anos de idade, caminhando para o 78º aniversário. Tal como Vossa
Excelência, tive uma trajetória difícil e cansativa na busca por meus
direitos civis.

Sou negra, filha de um servente de pedreiro e uma lavadeira. Meu avô paterno era escravo alforriado. Nasci e cresci em meio à miséria no interior do Estado de São Paulo, valendo-me de farinha e verduras que minha mãe encontrava no caminho para alimentar-me. Graças a ela, que sempre foi analfabeta, convencemos meu
pai a mudar-se para a pequena cidade de Penápolis-SP, a fim de que eu pudesse estudar as primeiras séries e o ginasial (denominação dada à época). Os materiais eram todos muito caros e, por isso, desde meus oito anos de idade trabalhava como lavadeira em conjunto com minha mãe para aumentarmos nossos rendimentos. Papai fez muitas dívidas nessa época também para que eu pudesse estudar.

Quando chegou o momento de optar, escolhi cursar a Escola Normal, já que não havia Faculdades por perto e nem haveria condições de manter-me fora. Formei-me normalista em dezembro de 1954, para orgulho de meus pais.

O caminho, Excelência, não foi fácil. Minhas colegas de Escola podiam ir às matinês ou às festas em que iam as pessoas de minha idade, mas eu era barrada
na porta por ser negra. Sempre minha presença foi proibida nos locais
destinados às pessoas brancas. Isto não impediu que eu conhecesse um
rapaz branco, hoje já falecido, que se apaixonasse por mim e fosse
correspondido. Ele pediu minha mão em casamento a meu pai, como era
próprio da época. Meu pai aceitou, mas alertou a mim, ainda muito jovem,
sobre a possível rejeição por parte da família dele. Infelizmente,
papai estava certo: os pais dele (em especial a mãe) rejeitou-me, e me
chamou de crioula safada, dentre outros adjetivos. Esse amor nunca teve
um beijo ou outra coisa qualquer além de belíssimas declarações, mas foi
forte o suficiente para permanecer intacto em minha memória nestes
quase sessenta anos. Até hoje, quando visito seu túmulo, penso em tudo o
que poderíamos ser e não fomos.

Tornei-me professora em 1955,  aposentando-me apenas no ano de 2004, às vésperas de completar 70 anos  de idade. Fui homenageada pelo Governo do Estado de São Paulo como a  professora que por mais tempo permaneceu em sala de aula: sem faltas, sem licenças, sem atrasos, sem nada. No mesmo ano em que comecei a lecionar, “adotei” uma menina, filha extemporânea de meus vizinhos sexagenários, que era branca e de olhos claros como Arthur, o homem por quem me apaixonei. Ela cresceu, tornou-se também professora e me deu
dois netos e um bisneto, razões maiores da minha vida. Ela e meus netos
foram, também, fonte de inúmeras alegrias a meus pais, falecidos no
final da década de 90.

Com esta pequena história, Excelência, desejo ilustrar minha passagem pelo mundo – ciente de que tenho muito mais passado que futuro – para agradecer-lhe e parabenizar seu trabalho.

Na década de 1.950 discriminar uma pessoa negra era algo natural, tolerável e correto. Sobre homossexuais, melhor nem falar: eram considerados pervertidos, doentes, e nem mesmo estes falsos profetas lhes prometiam a chamada “cura”.

Vejo com tristeza que a discriminação em relação aos negros persiste em existir, mesmo que às escondidas, e homossexuais são espancados, tratados com barbárie ou vítimas de discursos de intolerância e preconceito, tristemente
retratados na figura (em igual) triste do Exmo. Sr. Deputado Jair Bolsonaro.

Eu fui vítima de inúmeros preconceitos na vida, Excelência. Não pude frequentar locais por conta de minha cor; depois, ingressei numa profissão de elite – o magistério – sendo mulher, negra e pobre. Fui humilhada por anos e confinada em escolas de zona rural, até que um dia, talvez por distração, consegui minha transferência para a escola central da cidade, tornando-me professora da elite de Penápolis.


Minha filha adotiva foi uma das primeiras mulheres a se divorciar na cidade, e por conta disso era chamada de indecente, imoral ou coisas piores. Perdeu seu emprego por conta disso e meu neto mais velho teve sua matrícula recusada em uma Escola pública, justamente por ser filho de uma mãe divorciada. Hoje ele é Professor concursado na Universidade Federal de Uberlândia. O destino às vezes dá voltas.


Quando vejo o preconceito em relação às pessoas de orientação homossexual,
sinto-me de novo em 1954 e nos anos anteriores. Eles não têm o direito
de amar, como eu não tive. Eles não têm o direito de se casar, como eu
também não tive. São considerados pessoas anormais e pervertidas, da
mesma forma como fui chamada de “crioula safada”: são rotulados sem que
ninguém os conheça, e eu sei qual o tamanho desta dor. Para minha sorte,
tive pais analfabetos e pobres, mas maravilhosos. E os homossexuais,
que muitas vezes têm de enfrentar o preconceito dentro da própria
família, para além daquele que existe na sociedade?


 Quem lhe fala, Excelência, é uma mulher que tem idade para ser sua avó. Meu
desejo, a essa altura da vida – já são quase 80 anos – é que pessoas
como Vossa Excelência persistam em lutar contra o preconceito e qualquer
forma de discriminação e opressão neste país. Como ninguém me
sentenciou à morte ainda tenho o direito de sonhar, e meu sonho é o de
ver uma sociedade verdadeiramente livre, em que cada um possa expressar
livremente sua cultura, seu jeito, seus traços africanos ou seu amor,
seja ele de qual orientação for. Envio meu apoio ao Projeto de Emenda
Constitucional para a viabilidade do casamento de pessoas do mesmo sexo,
a fim de que elas tenham o direito que me foi negado: casar-me com quem
eu amava e que também me amava em virtude do preconceito de terceiros!

Para a verdadeira democracia, prossiga na sua luta pelas pessoas deste país, meu jovem Deputado.

Com admiração,

Dirce Pereira da Silva

 
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-historia-da-%E2%80%9Ccrioula-safada%E2%80%9D/

 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...