sexta-feira, 11 de março de 2011

A violência dos homens contra as mulheres.

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Entrevista especial com Eva Blay
Para a socióloga, a polícia e a sociedade não estão preparadas para lidar com situações de violência contra a mulher.




Durante cinco dias, as TVs, os sites, os jornais trouxeram as notícias de um seqüestro na cidade de Santo André, em São Paulo. No entanto, não era apenas um seqüestro; era mais um caso de violência contra a mulher sendo banalizado. Inúmeras questões foram tratadas com o caso Eloá, o namoro na adolescência, a violência em São Paulo, como alguém considerado “normal” pode se transformar num assassino. Porém, poucos foram os que se levantaram em defesa da menina que estava sendo vítima da violência doméstica, pois ali estava mais um caso de um homem com ódio da independência da ex-companheira. “O coronel que comandou o caso, e de modo geral a mídia, não levou em consideração a situação da menina. Ela era secundária na história”, analisou a professora Eva Blay. A IHU On-Line conversou com ela por telefone.

Eva Blay é socióloga graduada pela Universidade de São Paulo, onde também obteve o título de mestre e doutora em Sociologia. Realizou o pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França. Atualmente, é professora aposentada do Departamento de Sociologia da FFLCH e da Faculdade de Direito da USP onde leciona há 51 anos. É autora de Igualdade de oportunidades para as mulheres (São Paulo: Humanitas, 2002), Mulheres na USP: horizontes que se abrem (São Paulo: Humanitas, 2004) e Assassinato de mulheres e direitos humanos (São Paulo: Editora 34, 2008), entre outras obras.
Confira a entrevista.


IHU On- Line – Em sua opinião, que problemas o caso Eloá levanta em relação à sociedade brasileira?
Eva Blay – Levanta o seguinte problema: a atitude masculina de não aceitar que a mulher seja independente dele. Homens casados, ex-maridos, namorados, noivos simplesmente acham que mesmo se separando eles têm o direito sobre essas mulheres, sobre o corpo delas. Então, não aceitam algum tipo de separação. Por exemplo, acabo de ser informada de uma psicoterapeuta, mãe de quatro filhos, que acabou de ser assassinada na frente de sua casa pelo marido de uma paciente. Certamente, essa paciente levava para o consultório os problemas que ela devia ter com relação a este marido. E ele, para se vingar, o que fez? Matou a psicoterapeuta e, por um acaso, não matou a própria mulher também. Isso porque ele contratou uma pessoa para cometer essa barbaridade. Então, nós temos visto que isso se repete todos os dias. Aqui em São Paulo, especialmente, eu vi todo o comportamento e as falas daquele coronel que cuidou do caso. Ele não estava preocupado com a Eloá, mas, sim, com o assassino. O coronel o considerava, inclusive, um rapaz de bons antecedentes. Como pode ser alguém com bons antecedentes se invadiu uma casa armado, com farta munição e estava mantendo em cárcere vários jovens, especialmente a ex-namorada? O coronel que comandou o caso, e de modo geral a mídia, não levou em consideração a situação da menina. Ela era secundária na história. Eu li alguns artigos ridículos na imprensa em que se refletia sobre essa questão, ou seja, não importava tanto a menina; sobre ela, a informação cabia em três linhas. Agora, fazer uma análise desse rapaz, do que ele perdeu e perderia, ocupava longas linhas.


IHU On- Line – A polícia está preparada para lidar com casos conjugais?
Eva Blay – Não está preparada e já estava mais do que na hora de esse quadro ser modificado. Não é só a polícia, mas um conjunto de valores da sociedade. Para você preparar a polícia, é preciso preparar também a sociedade, por educação, por respeito ao próximo e, especialmente, por respeito à mulher. Porque ela é vista de maneira secundária, ou seja, ela faz o papel de vítima que pediu para morrer como, por muito tempo, se dizia.


IHU On- Line – Como a senhora vê a forma como a mídia aborda a questão da violência contra a mulher?
Eva Blay – No meu estudo, o que notei foi que houve uma boa transformação da mídia escrita em geral. De modo genérico, a mídia de dez anos tratava a mulher como culpada pela situação de violência, mas hoje essa mesma mídia se tornou investigativa. Então, ela não simplesmente culpabiliza, mas busca conhecer os casos e está sempre relembrando os casos como o do Pimenta Neves [1], que está em sua casa, muito bem, com bons advogados. Essa impunidade é algo fantástico no Brasil.


IHU On- Line – Quais são os principais motivos que levam o companheiro a matar a sua namorada/esposa/noiva?
Eva Blay – Ex! Ex-namorada, ex-mulher, ex-noiva. É sempre a idéia de que a mulher deve obedecer. A mulher não vale por si mesma: não é um ser humano, nem tem direitos humanos, mas simplesmente deve obedecer às ordens deste indivíduo. Quando ela não obedece ou quer viver a sua própria vida, o homem reage de uma forma dominadora e, então, mata ou tenta matar. É claro que há inúmeras exceções. Entre os mais jovens, começou a despontar uma atitude mais civilizada. As pessoas podem ter ciúme momentaneamente, mas daí a ficar subserviente a esse sentimento, a ponto de criar ódio e matar a companheira ou ex-companheira, é algo terrível.


IHU On- Line – O ódio, então, é o principal motivo?
Eva Blay – Sim, o principal, se você usar isso como um símbolo. No entanto, por trás disso está a dominação.


IHU On- Line – O que explica o fato de o índice subir de 29% para 37% de mulheres vítimas de violência nas zonas urbanas para as zonas rurais?
Eva Blay – Eu acho que é pela questão de onde chega mais informação. Mesmo na zona urbana, a informação não é considerada transparente; isso que aparece é o mínimo. Acho interessante você acentuar que essa violência ocorre principalmente entre brancos (não negros), homens e mulheres brancas e pessoas que têm, evidentemente, alguma relação.


IHU On- Line – E, no papel de pesquisadora, como a senhora analisa aquele tipo de violência que não aparece, aquele que não tem violência em si, com tapas e afins, mas que é feito pelas palavras e atitudes?
Eva Blay – É uma violência moral que destrói as mulheres. Essa psicoterapeuta que foi assassinada deveria estar fazendo com a sua paciente justamente uma discussão sobre essa subserviência moral, essa pressão moral e destruição que os companheiros que têm ódio fazem com suas mulheres. Essa é uma das mais tristes situações em que a mulher se encontra.


IHU On- Line – No mapa mundial do problema, onde o Brasil está localizado?
Eva Blay – Não sei exatamente. Mas sei que é bastante alto o índice desse problema no Brasil, o que não quer dizer que isso não ocorra em outros países. Há também. E há em todas as classes sociais.


IHU On-Line – O feminismo distorceu e diminuiu algo no homem?
Eva Blay – Não distorceu nem diminuiu, pelo contrário. O que o feminismo trouxe foi uma grande libertação para o homem e para a mulher. Ele vivia amarrado ao fato de precisar sustentar a casa, a família e hoje ele pode dividir isso com a mulher, com os filhos. Eu acho que o feminismo foi muito benéfico, aproximou muito mais os homens dos filhos, do carinho que podem expressar, do direito de chorar. O feminismo foi benéfico para eles. Agora, do ponto de vista da mulher, permitiu que ela se entendesse e compreendesse que é dona de si mesma, que tem uma personalidade que tem direito de existir em paz.


IHU On-Line - Em que sentido a violência contra a mulher pode ser considerada violação dos direitos humanos?
Eva Blay – Total. Inclusive na ONU fica claramente definido isso. A Lei Maria da Penha só foi implantada porque a vítima [2], depois de 18 anos, conseguiu fazer com que a OEA reconhecesse que o Brasil não estava fazendo nada para prender o marido que tinha tentado matá-la tantas vezes que ela acabou numa cadeira de rodas. Não tenho a menor dúvida de que os direitos humanos clamam pelos direitos das mulheres.  


Notas:
[1] Antônio Marcos Pimenta Neves é um ex-jornalista, ex-analista da área de Economia e Finanças e ex-diretor de redação do jornal O Estado de São Paulo. Ele ganhou ampla notoriedade policial em 2000 por ter matado a namorada (e também jornalista) Sandra Gomide em um haras de propriedade de João Gomide, pai da vítima, em Ibiúna, interior de São Paulo. Ele ficou preso durante sete meses até 2001, quando conseguiu a liberdade provisória para aguardar o julgamento. Em 16 de dezembro de 2006, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu liminar suspendendo a ordem de prisão. E, em setembro de 2008, o ex-jornalista pediu o registro de advogado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, 35 anos depois de ter recebido o diploma da faculdade de direito.

[2] Maria da Penha Maia Fernandes é uma biofarmacêutica brasileira que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado. Com 60 anos e três filhas, hoje ela é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, vítima emblemática da violência doméstica. Em 1983, seu ex-marido, o professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou contra ela, simulando um assalto, e na segunda tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou paraplégica. Nove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão. Por meio de recursos jurídicos, ficou preso por dois anos. Solto em 2002, hoje está livre.

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