sábado, 5 de março de 2011

Um diagnóstico da ''implosão'' do Vaticano de Bento XVI

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41116



  5/3/2011
 


 
Talvez o índice mais revelador da severidade de várias catástrofes de relações públicas e de gestão que têm atormentado o papado de Bento XVI é que agora há um gênero literário florescente tentando explicá-las. Isso também é uma medida do perfil global reduzido do papado nestes dias, sobre o qual, até hoje, os italianos basicamente detêm o monopólio.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 28-02-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No ano passado, surgiu o livro Attaco a Ratzinger: Accuse e Scandali, Profezie e Complotti contro Benedetto XVI [Ataque contra Ratzinger: acusações e escândalos, profecias e complôs contra Bento XVI], escrito por dois dos melhores jornalistas italianos sobre Vaticano, Paolo Rodari e Andrea Tornielli. Apesar não sendo cegos para as falhas do próprio Vaticano, Rodari e Tornielli também sugerem que há um esforço em andamento para prejudicar a autoridade moral do Papa e da Igreja, talvez até de dimensões cósmicas. (Um capítulo pondera se os infortúnios de Bento XVI foram preanunciados por Fátima e outras aparições marianas).
Agora, temos um outro olhar, sob a forma de C'era Una Volta Un Vaticano [Era uma vez Vaticano], de Massimo Franco, veterano jornalista político do Corriere della Sera, o jornal diário mais prestigiado da Itália. Franco tem explorado há muito tempo a interseção entre fé e política, como testemunhado pelo seu livro de 2005 Imperi Paralleli [Impérios paralelos] sobre as relações entre a Santa Sé e os Estados Unidos.
Em termos de blocos de construção de seu argumento, Franco abrange quase o mesmo campo de Rodari e Tornielli: os escândalos dos abuso sexual; a crise da revogação da excomunhão de um bispo que negou Holocausto; os conflitos dentro do Vaticano, mesmo entre os cardeais, "dignos da época dos Bórgias"; o notório caso Boffo, em que grandes autoridades do Vaticano foram acusadas de sabotar o diretor do jornal dos bispos italianos pelo vazamento de documentos falsos, sugerindo que ele havia assediado uma mulher porque queria ter um caso gay com o namorado dela; e assim por diante.
"Implosão", sugere Franco, é a palavra que muitos observadores do Vaticano aplicam ao atual estado das coisas. Há um sentido palpável de fin du régime no ar romano, diz. Franco cita diplomatas creditados junto à Santa Sé que se comparam aos embaixadores finais da República de Veneza, pouco antes de seu colapso em 1797.
No entanto, Franco aplica uma interpretação diferente a esse mal-estar. Os colapsos dos últimos cinco anos são os sintomas ao invés das causas, segundo ele, de uma crise muito mais profunda. Eles são sinais do fim de uma época, em que o Vaticano representou os sentimentos religiosos e morais da civilização ocidental, e o amanhecer de uma nova era em que o cristianismo se tornou uma subcultura minoritária. Nem o Vaticano nem a hierarquia em geral descobriram como responder a esse novo mundo, argumenta Franco, explicando a "profunda confusão" que se detecta entre todos os homens do Papa.
O dia do acerto de contas foi mantido à distância durante meio século pela Guerra Fria, e durante um quarto de século pelo carisma imponente do Papa João Paulo II, diz Franco, mas agora essa conta está vencendo.
Franco se refere a "um Vaticano" no título do livro porque não quer sugerir que o próprio Vaticano está morrendo. Em todos os cenários concebíveis, ele vai continuar sendo uma importante instituição mundial e um ponto de referência para os católicos de todos os lugares. O que agora está em decadência, argumenta, é, ao contrário, um certo tipo de Vaticano – o Vaticano como capelão do Ocidente, tratado com deferência pelas cortes e governos, capaz de moldar a história pelo exercício do seu poder institucional. Algo novo deve substituir o Vaticano, diz ele, e seus contornos ainda são vagos.
O diagnóstico de Franco irritou alguns círculos do Vaticano, especialmente aqueles em torno do cardeal italiano Tarcisio Bertone, Secretário de Estado. Franco não apenas culpa Bertone pela fraca governança interna e pela falta de visão geopolítica – devido, sugere Franco, a uma preocupação com questões italianas –, mas também diz que algumas de suas primeiras medidas foram animadas pela ambição de ser o próximo Papa. (Se isso for realmente verdade, a maioria dos observadores da Igreja dirão que isso é um tiro no escuro. Justamente ou não, Bertone está associado com uma tal sequência de desastres que alguns cardeais consideram essa ideia quase como eleger o capitão do Titanic como o CEO da empresa de navios a vapor.)
No entanto, grosso modo, a argumentação de Franco é realmente bastante amigável ao Vaticano, quase a ponto de dar desculpas. Ele argumenta que os seus esforços devem ser vistos em conjunto com os problemas estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, todos indicadores de mutações profundas na ordem mundial. A dedução pode muito bem ser que a culpa não está realmente em Bertone e em outros assessores de Bento XVI, mas sim em suas "estrelas".
Na verdade, os deslizes do papado de Bento XVI provavelmente são alimentado por uma combinação de fatores: as características pessoais da equipe de Bento XVI, incluindo uma ênfase no espírito de família que, às vezes, vem em detrimento da competência sobre o assunto em questão; a hostilidade cultural ao ensino da Igreja e de Bento XVI, esboçado por Rodari e Tornielli, que circula na mídia, na academia, na jurisprudência e até em alguns setores da Igreja; e as grandes transformações globais, especialmente a emergência de uma cultura pós-moderna fragmentada no Ocidente, destacada por Franco.
Nessa mistura complicada, C'era Una Volta un Vaticano é uma importante contribuição, revelando um deslocamento nas placas históricas que jazem sob os terremotos ocasionais em Roma

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